O DIA DO SACI
 
Quem já viu um saci aí, levanta a mão! Eu não levanto, porque nunca vi. Mas confesso, mesmo sem ter visto, já tive muito medo do Saci. Em tempo de menina era comum a gente se esconder dos redemoinhos, pois podiam portar um Saci no centro do poeirão. E se o endiabrado cismasse de sair da poeira e partir pra perseguição, ah, que dó! Quisesse nem saber! Difícil se livrar do dito cujo!

Contavam que um senhorzinho lá pros lados de minha casa detinha em seu poder, preso numa garrafa, um poderoso Saci! Ui, que arrepio! O velhinho esquisitão mantinha amizade com o ser que assombrava minha imaginação infantil! E eu? Evitava até olhar para as janelas de madeira sempre lacradas da casinhola onde ele guardava a sete chaves seu medonho segredo. Haja mistério!

Mais tarde, Monteiro Lobato me apresentou outro Saci. Um Saci, convenhamos, bem mais sociável, menos aterrorizante. Do perigo do inferno, e de aprendiz do Capiroto, ele pulou pra posição de um moleque até simpático: o menino arteiro cometia apenas algumas peraltices comuns a qualquer menino. Ufa, que alívio!

Trançar as crinas dos cavalos, incomodar os viajantes nas estradas com seu assobio estridente, derrubar-lhes os chapéus, danificar os freios das carroças, invadir casas para queimar as comidas, ou azedá-las, desparecer com objetos e apagar a luz das lamparinas... Estas são algumas das artimanhas do travesso diabinho. Como se vê, nada de tão grave assim. O Saci é, portanto, muito mais um traquinas assanhado que propriamente a incorporação hedionda da malvadeza, como acreditei um dia.

Segundo descrevem, o Saci é um moleque de mais ou menos meio metro de altura (embora se quiser, possa chegar a mais de três, juram isso de pé junto). É pretinho, usa gorro vermelho, fuma cachimbo e pula numa perna só. Há quem diga que a perna perdida  foi por causa de uma queda na cisterna da avó (nunca imaginei que o Saci tivesse avó!). Lembrando que para quem rodopia num redemoinho, uma quedinha na cisterna é nada, quase nada... Mas, enfim...

Pois bem, o certo é que o moleque Saci mereceu até um Projeto de Lei (Lei Federal, nº 2.762/ 2003) para instituir o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, visando a valorização do folclore brasileiro, e em contraposição ao evento de origem estrangeira, o Dia das Bruxas — no Brasil, comemorado por muitos, abominado por tantos outros. Aqui não entro no mérito da questão, porque essa realmente não é a questão.

Em tempos modernos, quem tem medo do Saci levanta a mão! Eu não levanto, porque já não tenho. O mequetrefezinho já não assusta mais ninguém. Em tempos de tantos monstros, ao vivo e em cores, o Saci perdeu terreno, virou uma triste e ingênua piada! Juro que em vez dos assombros de hoje em dia, eu preferiria mil vezes a assombração do moleque Saci piruetando num redemoinho poeirento. Pelo menos no caso do Saci, eu sei, bastaria jogar uma peneira, capturá-lo e trancafiá-lo numa garrafa com uma cruz, até que completando seus 77 anos — tempo estimado de vida para os Sacis, como reza a lenda — ele se transformaria num cogumelo venenoso ou em “orelhas de pau” e não tacaria terror em mais ninguém... Ah, Sacizinho querido, facinho de ser neutralizado! Saudade da Sacizada de Monteiro Lobato!