Varal de Carne Crua

Débora, um metro e cinqüenta e cinco, aproximadamente dezenove anos, cabelos coloridos de laranja e verde, usa minissaia preta e camiseta com estampa da banda Ramones. Olha-se no espelho, vira o rosto de lado e passa a mão no corte vertical que tem marca de sangue coagulado. Braços arranhados e um ferimento na perna esquerda, alguém bate na porta, ela diz que está saindo.

Na cozinha, Caroline de vinte e cinco anos. Morena alta, olhos puxados e cabelos pretos lisos, conversa com Lutero de aproximadamente trinta e nove anos, ele usa calça jeans, bota estradeiro e uma camisa branca, com os dizeres “Doe órgãos.” A mesa é farta, frutas, pão, queijo, bolo, ovos mexidos, café e uma garrafa de Bacardi. Debora se senta acanhada,

— Dormiu bem? – Pergunta Caroline. Ela não responde,

— Posso? – Aponta para o Bacardi.

— São nove horas da manhã! – Fala Lutero.

— Posso beber? Pergunta Débora sem responder a pergunta.

Caroline manda que ela fique a vontade. — Tem outra coisa aqui!

Tira do bolso um pino de Cocaína e passa a ela. Débora ameaça se levantar, Lutero intervém, — Sem grilo, pode cafungar aqui mesmo!

Débora visivelmente trêmula faz três carreiras toscas num lado da mesa, antes que se agache com um canudo de nota de dois reais, Lutero pede licença e retira um cartão do bolso, afina as carreiras da droga e faz uma a mais. Em poucos minutos Débora estava cheia de energia, falando com austeridade na voz e tomando um copo duplo de Bacardi com suco de laranja.

— Se lembra de ontem? – Indagou Lutero.

— Ontem o quê? – Disse Débora sorrindo.

— É sério que não se lembra? – Completou Caroline.

— Me lembro sim! É claro, vocês me livraram da Turma do Mosca! Agradeço por isso, eles teriam feito comigo o que fizeram com a Índia!

— Que bom, pagamos sua divida das drogas, você está livre deles! – Disse Lutero.

— Caralho velho, de boa mesmo? Porra cês são da hora! Mas eu não tenho como pagar agora! – Frisou Débora.

— Tem sim! – Emendou Lutero.

— Tenho? – Perguntou Débora.

— Claaaro que tem! – Completou Caroline.

— Querem fazer sexo a três? – Falou Débora mordendo o polegar esquerdo.

A campainha toca, Lutero se levanta assoviando. Caroline pergunta o que significa Ramones, Débora se empolga e conta a história da banda, diz que escuta Ramones desde o útero da mãe que adorava Punk Rock e o pai era guitarrista. Diz que quando tinha quatorze anos fugiu com um cara de trinta e cinco, passou uma semana trepando e usando droga num hotelzinho de quinta na periferia de Manaus. A policia descobriu e invadiu o local o cara que estava com ela não reagiu, mesmo assim foi morto com um tiro na cabeça, já era conhecido da policia. Depois deste dia os pais não deixaram mais que ela saísse de casa, na crise de abstinência ela assassinou os dois com um revolver que trocara por sexo na “Biqueira”.

— E daí você ficou no Centro do Menor Infrator até os dezoito anos!- Disse Caroline.

— Como é que você sabe? – Perguntou Débora assustada.

— Tenho bola de cristal! – Sorriu Caroline.

Lutero entra com dois homens vestidos de branco, cada um carregando grandes caixas de isopor.

— Nossa! Chegaram os homens de Marte? – Brincou Débora.

— Beba outra dose! Assim você dorme enquanto, arrumamos a casa! – Ponderou Lutero.

Os homens de branco após cumprimentarem, foram direto a uma porta, dez metros à frente, Débora enche o copo novamente, desta vez não mistura o suco de laranja.

— Spider Man, Spider Man! – Esboça cantar uma musica do Ramones, mas a caquética voz não sai, seus olhos se fecham e se abrem, ela vira a vodka na boca, sai um pouco pelos cantos.

— Se vocês estiverem tramando algo contra mim, eu mato os dois, ta ligada num ta? Eu matei meus pais! Meus paiiiis!- A voz sumiu antes de concluir as ultimas palavras. A porta por onde os dois homens entraram se abre novamente, eles estão em companhia de uma mulher, empurram uma maca, Débora é colocada sobre ela e levada para o lugar de onde vieram. Um pequeno centro cirúrgico, uma grande luz sobre o corpo nu de Débora.

— Ela tem um exame do inicio do ano Doutora!Conseguimos uma copia no Hospital Santa Brígida, ela fez uma cirurgia de Apendicite, tudo normal! – Falou um dos homens usando uma mascara.

— Tudo certo, vou anestesiar! – Falou a mulher.

Caroline e Lutero estão com os celulares ligados no ouvido.

— Alô Dr Galtiêro, aqui é a k2, Temos córnea, Rins e pele pra entregar de imediato! Sim é aquele valor que enviamos, se o senhor ficar com tudo o desconto é de 30 por cento. Maravilha, batido o martelo. – Caroline sorri olhando para o telefone.

— Fechei o esqueleto com a Faculdade, Dr. Ruaney disse que paga oito mil reais, mas temos que entregar! – Fala Lutero.

— Peça para tirar o cabelo com cuidado! Vamos fazer uma boa ação para o hospital do Câncer! – Disse Caroline deslizando os dedos pelo celular.