A TORTURA E DITADURA DE CADA UM

Dona Maria residia na esquina da rua que morávamos, rua sem saída, rua de nome Giruá, em Viamão, depois descobriram que era em Porto Alegre e passou a chamar-se São Mateus, mesmo sem saída nunca foi um beco, pela largura, traçado reto e sem esgoto a céu aberto, todos tínhamos sumidouro. A água da chuva mal fazia costeletas, pois a rua era quase plana.

Mamãe levava-nos à escola e buscava, na passagem de ida a Dona Maria estava varrendo o pátio e dizia que estava sofrendo de tortura, na passagem de volta ela estava terminando o almoço. Da janela ela assistia nossa passagem e acenava.

No dia seguinte, bom dia, como vais e a resposta: bem, mas com um pouco de tortura, isto por quase três anos. Eu não entendia o que era torturava e nem queria saber, precisava chegar em casa, almoçar, fazer os temas e jogar bola.

Um pouco antes morava o Seu Brito e Dona Anita, ele baiano de nascimento contava que se refugiara por aqui depois que a revolução 32 onde tinha perdido toda a família. Seu Brito ostentava dois caninos revestidos de ouro, um dia curioso perguntei se era dentadura e ele respondeu que não, não é ditadura. Mamães zangou-se pela minha indiscrição.

De tanto ouvir a palavra tortura criei coragem e indaguei de mamãe o que era a que Dona Maria sentia, então mamãe explicou que era tontura. Ela falava tanta outras coisas erradas, mas fui acostumando e quando nos mudamos dali, no ano de 1967 eu dominava plenamente o dialeto de Dona Maria.

Embora hoje se fale muito em torturas, ditadura dos anos 60, na época eu só ouvia falar em tortura de Dona Maria e ditadura (dos dentes) do Seu Brito.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 19/11/2019
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