Meu nome é Dion, Diontravolta

Sempre fiz questão de fazer a chamada para conferir a presença no início da aula. Conhecer meus alunos pelo nome, além de ser um desafio à memória – uma vez que lecionava para uma média de dez turmas com cerca de 40 alunos cada uma –, era, de certo modo, uma obrigação. Queria que eles soubessem que eu sabia quem eles eram, um a um, para retribuir, de alguma forma, a importância que davam a mim. Embora em sala de aula fossem desobedientes, preguiçosos e muitas vezes indisciplinados, ao me encontrarem na rua sempre agiam com alegria, simpatia e talvez um certo orgulho. Isso me fazia crer que alguns deles sempre se lembrariam de mim pelo resto da vida, assim como eu jamais esqueci alguns mestres que tive.

A lista de chamada continha dados muito curiosos. Pais fanáticos homenageavam seus ídolos batizando os filhos com nome e sobrenome de famosos como Michael Douglas, Klinsmann, Mahatma, Raoni, Grace Kelly, Jerry Adriani, John Lennon, Agatha Christie, etc.. Havia também uma grande preferência por nomes de origem estrangeira, o que, na minha opinião, poderia se justificar pela intenção em dar ao filho um nome menos comum, uma vez que os sobrenomes se repetiam constantemente em Silva, Oliveira, Souza, Santos, Ferreira, Barbosa... Dessa forma, também começava a se repetir um grande número de Jéssicas, Emilys, Laylas, Suellens,Stefanis, Jonathans, Natashas, Alissons, Michaels e algumas versões aportuguesadas bizarras como Dionaton, Carolaynne, Mileide, Waldisney (Walt Disney), Keity, Diulia, Deividi, Patriky, Kristofer, Diontravolta...

Chamar nome por nome em uma pauta de 43 estudantes do

6º ano, com idades entre 11 e 13 anos, não é nada fácil. O mais prático seria perguntar quem faltou porque a inquietação é grande e eles têm pouca paciência para atividades demoradas. Quando se chega à metade da lista, quem já respondeu está conversando e quem ainda não respondeu já não está mais atento ao que eu falo, tamanha é a capacidade de dispersão em poucos minutos. Porém, quando chamo Beethoven – assim mesmo, corretamente grafado – não consigo ouvir o menino responder, só se escutam imitações de latidos vindos de todos os cantos da sala de aula. Na primeira vez, não entendi o motivo da sincronia do coral de au-aus, deixei passar. Já na segunda ocorrência, não resisti à gracinha dos pupilos e procurei saber o motivo de abrirem um verdadeiro canil toda vez que ouviam o nome Beethoven. Fui informada por um dos alunos de que aquele garoto tinha nome de cachorro. “Como assim?!!!”. “Do filme, professora! Nunca viu Beethoven?”. Eu não sabia que havia uma sequência de filmes americanos em que o personagem principal era Beethoven, um cão da raça São Bernardo super esperto e trapalhão. Daí a associação única e imediata com o homônimo colega de classe.

Na aula seguinte, tratei imediatamente de trazer um terceiro Beethoven para o universo daquelas crianças. Depois de conhecerem a história e ouvirem um pouco do músico alemão, pude fazer a chamada com mais tranquilidade, pois os latidos escassearam aos poucos, até cessaram por completo, e meu Beethoven brasileirinho agradeceu imensamente, pois, segundo ele, já havia falado sobre a origem do seu nome com os colegas, mas ninguém acreditava.

Andréa Carvalho
Enviado por Andréa Carvalho em 25/11/2019
Reeditado em 25/11/2019
Código do texto: T6803623
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