A mulher do meu banco ao lado

Estou sentada ao lado de uma mulher. Estamos separadas apenas pelo apoio de braço. Ele não está completamente abaixado, mas ainda impede com que nossos cotovelos se toquem. As marcas em seu rosto não conseguem mais esconder sua idade. Ela deve ter uns 50 anos. Bem vividos, por sinal.

Sentada no banco da janela, olha através dos vidros embaçados. Eles mudam repentinamente, conforme a temperatura do ônibus. Agora, mais quente, o ar condensado repousa sobre eles.

Antes de embarcarmos, já tínhamos nos visto. Compramos as passagens juntas. Ao contar cada real do dinheiro que entregaria ao vendedor, já a avistara de canto de olho. Eram quatro. Ela, o marido, a filha, e o amor que florescia em meio aos abraços de despedida.

Ela apoiou o rosto na janela. Suspirou. Pôs a mão no vidro, como se não houvesse nada entre eles.

As gotas escorriam pelos vidros. Pelo seu rosto. Pelo meu.

Há um som diferente agora. Barulho. É o motor do ônibus avisando que já vamos partir.

Com a respiração acelerada e os olhos pedindo socorro, repousa mais uma vez a mão sobre o vidro. Parados a alguns metros, estão os dois. Acenam. Não mais com as mãos. Com os olhos. Seus olhos pedem para ela ficar.

Delicadamente, a mão repousada sobre o vidro retorna ao rosto. De forma discreta, limpa uma gotícula de saudade que já paira sobre sua bochecha.

Olho para as minhas mãos. Estão suadas. Mexo no anel que ganhei de minha mãe aos 15 anos. Giro. Tiro. Coloco novamente. Olho para o outro lado do corredor. Poltronas cheias. Já as pessoas... nem tanto.

Uma mulher se dirige ao fundo do ônibus. Ela volta com um copo de água nas mãos. Esbarra no meu ombro esquerdo. Olho para ela. Ela sorri sem graça. Minha jaqueta agora está molhada. Olho novamente para a janela embaçada. O sol já está nascendo.

Sinto o ônibus começar a se movimentar. Devagar. Está dando a ré. A mulher ao meu lado olha, vibrante, para sua filha. Ela acena novamente. Os olhos e as mãos formam uma sincronia. Segundos que parecem uma eternidade. Agora já não era mais uma. Eram duas, três, quatro lágrimas. A saudade escorria pelo seu rosto em uma linha reta sem fim. Minha jaqueta não era mais a única molhada. Nem os olhos dela.

De alguma forma, nossos corações se encontraram e se confortaram.

Através da janela já não víamos mais duas pessoas. A paisagem mudava aos poucos. Ainda embaçada pelas gotas de saudade.

Sem querer, meu dedo encosta em uma das lentes dos meus óculos. Um borrão impede com que eu veja com clareza. Tiro os óculos e os limpo na barra da minha blusa. Ela é feita de lã e tem alguns detalhes em vermelho nos punhos.

Olho para a janela e algo mudou.

Não sei se foi o cabelo, os olhos ou a boca. Ela já não era mais a mesma mulher que sentou ao meu lado. Cuidadosamente, tento descobrir o que havia mudado nela. Falho.

Sigo olhando para o banco da frente. Pensativa.

Olho para o lado novamente. Falho.

Já não estamos mais na mesma cidade. Sinto que seu coração está mais calmo. O meu também. O verde das plantas se mistura ao azul do céu. Tento achar uma posição mais confortável. Cruzo as pernas. Volto a olhar o arco-íris de tons azuis-esverdeados. Em nenhum momento ela larga o celular. Percebo que a palavra “filha” está escrita na conversa. A cada som de mensagem noto sua vontade em responder o mais rápido possível.

Através do reflexo de seu rosto na janela, vejo que está com os olhos fixos em suas mãos. Não mais no celular.

De cabeça baixa, está pensativa. A saudade não cabe mais em seu coração, tampouco em suas lágrimas.

Olho para suas mãos. Estão suadas. Ela gira. Tira. Coloca novamente. Aos prantos, a mulher mexe no anel que ganhou de sua mãe aos 15 anos.