Janelas abertas

As flores anteciparam a primavera e querem ocupar a cozinha da casa em que moro. A mesa de ardósia fica em frente à janela. É neste lugar que gosto de iniciar meus textos em meu caderno de exercícios. Continuo usando a velha e boa caneta, para registrar o que dita o coração. Depois, sim, faço uma revisão, uns adornos aqui, outros acolá, na tentativa de seduzir os leitores e as leitoras. O micro aperfeiçoa os detalhes

Passo boa parte do meu tempo neste lugar. Digo boa parte, porque são momentos realmente bons. Geralmente ao anoitecer. Coloco um disco: mpb, rock progressivo, clássico pop e escrevo o que me vem à mente. Sem planejamentos. Planos são úteis para a vida cotidiana. A arte não carece disso, ao contrário, ela se manifesta por meio do dom. No instante em que escrevo esta crônica, ouço feng shui – música para harmonizar o ambiente da sua casa, como está escrito na capa do CD. São oito faixas de músicas suaves, ao som de água de cachoeira, canto de pássaros, piano, sinos, flautas, cordas... Luara e Lola – duas cadelas de pequeno porte – se irritam com as pulgas, logo em seguida se aquietam. Elas, também, entram em transe ao som da música.

Não costumo datar meus textos, talvez por desejá-los atemporais. Aliás, o tempo só existe externamente. Não há tempo interior e caso exista, manifesta-se de outra forma. Penso que o tempo é uma ilusão dos sentidos. Lógico que existe ontem, hoje e amanhã. Na vida prática precisamos de calendário, de horários. O tempo interior não tem conexão com o exterior. Não sei se estou conseguindo me fazer entender. Se não estou, paciência.

Tente esquecer esse tempo externo e se deixe levar ao interior. Sinta a fluidez. Não há tempo. Loucura? Não, ao contrário. Loucura é a pressa. Loucura ficar escravo desse tempo externo, sem tempo para o interior. Mas não é sobre isso que quero escrever.

Quero falar de janelas abertas. Em sentido metafórico, janelas são os corações das pessoas. Repararam como as janelas abertas nos convidam a entrar? Janelas fechadas afastam os passantes. Menos os arrombadores. Na casa em que moro as janelas estão sempre abertas. Inclusive à noite. Não as fecho por nada. Nem quando saio de casa. Os arrombadores se assustam, não se aproximam. Os antropólogos e os psicólogos devem explicar isso melhor.

Assim como as janelas da casa em que moro, meu coração está aberto, como escrevi no poema Bakunin, para o amor entrar, mesmo que entrem alguns ovni’s, para eu identificá-los.