OUTROS OLHARES

MG, como gostava de ser chamado, sufocada em seus trajes de gala, insistia na vida mundana. Tanto, que preferia andar só. Dizia ser melhor do que mal acompanhada.

Cabelo artificial, preto, liso, longo, leve e solto como as asas de um pássaro ou um comercial de shampoo na televisão. Maquiagem insistentemente singular, pois, se não for para chamar a atenção, nem sai de casa, dizia. Balanço no andar e vestimenta reveladora de segredos. Essa era MG.

Conheceu Tocamanso em uma de suas andanças. Em nada se pareciam, mas em tudo combinavam. A começar pelas trocas constantes de olhares...”outros olhares...”

Enquanto o destino os unia e os conduziam, tempo é de contar a história sem rebuço.

Nos encontros que sucederam, MG sentia... AMOR! Passavam horas a conversar, desconversar, se conhecer, desconhecer, reconhecer... Contavam histórias que só os mais intrépidos ousavam interpretar. Era um “bate”, “rebate”, “finge que bate” e “blá-blá-blá” sem fim.

Tocamnso morava em beira de praia. Pele reveladora de lugar. MG, em uma cidadezinha do interior, com mãe, pai, irmão e irmã. Ah! Tinha também um primo, a quem MG gostava de revelar seus casos e acasos. Mas só de vez em quando ou de quando em vez aparecia por lá. Contudo, MG morava mesmo era nas estradas desse mundão chamado Brasil.

Decorreram algumas semanas desse feliz romance com Tocamanso. Um amor sem fim, amém! Até que, uma noite escura, por volta das vinte e duas horas, enquanto trabalhava alugando o corpo na estrada, MG viu, sentiu, ouviu sofreu com uma cena que a chocou profundamente: Um carrão parou ao lado da Churrascaria onde costumava desfrutar os prazeres dos alimentos com seus companheiros de “trabalho”. E dele saiu nada mais, nada menos, que ele... TOCAMANSO. Sim, ele mesmo de carne, osso e felicidade. Tocamanso estava alegre, sorridente e FELIZ, ao lado de um rapaz também alegre e feliz, extravasando sentimentos de plena felicidade compartilhada.

MG ficou atônita! Outros olhares a envolveram. Ao lado daquele sujeito, estava seu grande e “eterno” amor. Então, por alguns instantes, tentou manter a calma, respirou fundo e contou até 10, 20, 30, 40... 100. Pronto! Já estava apto a pensar e entender o que se passava naquela cena. Assim, sem que se fizesse notar, aproximou-se um pouco e ficou a ouvir, pois uma parede os separava. Tocamanso falava:

_ Amor, eu também sou assim.

E o rapaz respondia:

_ Assim como?

E o diálogo prosseguia:

_ Assim, vivo o momento como se fosse o último.

_ Sou seu último momento?

_ Nãããão! De jeito nenhum. Você é o momento, amor.

MG não suportou àquela conversa e saiu em disparada! Andou, correu, correu, andou. Até que, após longa caminhada, chegou à casa paterna. Lá chegando, não foi nem notada. Assim, ainda abalada, pegou a motocicleta do irmão, passou na casa do primo confidente, pegaram uma bebida na conveniência de um posto de combustível e saíram em disparaaaada, estrada a dentro. Só vento, brisa e lamento. Então, entre risos, gritos e desabafos, pouco a pouco foi acordando a cidade e a polícia rodoviária também. E, sem habilitação, sem legislação de transito, sem lenço, sem documento e sem nada consta, foram tomadas as devidas providências: veículo apreendido, motorista convocado e advertências traçadas.

E, decorrido uma semana, MG podia ser vista em seu trabalho noturno, ou diurno, tanto faz, sem razão, sem sensibilidade, sem pudor, sem “ser ou não ser: Eis a questão!” Mas com outros olhares.

Chuva de Rosas
Enviado por Chuva de Rosas em 28/12/2019
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