AS MOSCAS E AS FÉRIAS

Estar de férias e algo engraçado, ou você teve muitos planos para fazer neste período, que são sempre muito curtos, ou você não tem nada para fazer. Mas o que acontece com mais frequência e se ter muitas coisas para se fazer mesclado a momentos em que não se faz nada.

No momento eu estou aqui em casa sentado na varanda da cozinha sem absolutamente nada para fazer. Aproveito o ócio para matar moscas que estão me infernizando desde que acordei.

Como você bem sabe as moscas são muito ligeiras e requerem concentração e foco diferenciados para se conseguir abatê-las, mas principalmente e acima de tudo ter a paciência de um monge calmo. Percebo de cara que as moscas não querem ser mortas só porque eu resolvi caça-las.

É a sábia lei da sobrevivência que para elas, apesar de não respeitarem lei nenhuma é questão de vida ou morte e tão bem regulada em seus instintos básicos.

Então estou eu cá sentado com o mata moscas na mão e com a pressa dos que estão de férias tentando matá-las , como tempo é o que me sobra, fico estático e de prontidão esperando que uma delas pouse , não em qualquer lugar , mas sim sobre o meu joelho direito que está a 45º da ponta do mata moscas, o que permite que eu, com o mínimo esforço possível, num gesto único , rápido e pendular , diagonalmente em relação a distância mosca/mata moscas possa acerta-la de forma fatal. Digo num gesto único porque você nunca terá uma segunda chance para tentar matar a mesma mosca. São animais extremamente ariscos e desconfiados , evadem-se do local ao pressentir qualquer ameaça a sua curta vida (uma mosca vive em média 28 dias). Na verdade se você errou a primeira, mas logo em seguida acertou na segunda pode ter certeza absoluta que não foi a mesma mosca. Pressentindo o menor perigo elas somem em grupos.

Uso a teoria das probabilidade de Laplace que de forma simplificada me diz que a chance de uma delas pousar bem no meu joelho é diretamente proporcional ao número de moscas do ambiente e inversamente proporcional ao tamanho da minha varanda (Laplace não desenvolveu sua teoria pensando em moscas, mas mesmo assim vale para elas), obviamente o tamanho do meu joelho também conta.

Mata moscas armado na mão direita, joelho próximo, espero o momento que uma distraída mosquinha resolva pousar nele assinando assim sua sentença de morte. Modéstia à parte sou exímio matador de moscas e nestas circunstancias tão favoráveis para mim, posso dizer que a mosca que nele aterrissar, em poucos segundos não pertencerá mais ao mundos dos vivos. Será literalmente uma mosca morta.

Aguardo mais um pouco e nada de mosca no meu joelho direito, espero mais alguns minutos e minha paciência que nunca está de férias começa a se esvair. Penso que esperar por uma mosca não deixa de ser um ótimo exercício de meditação, foco e atenção plena, um mindfulness útil para a mente. Meditar é estar presente, no aqui e no agora e que nós os seres humanos, na correria em que se tornou nossas vidas ou vivemos no futuro ou vivemos no passado. Passamos nossas horas pensando no boleto que irá vencer amanhã ou na encrenca que arrumamos ontem e que precisa ser resolvida, num constante deslocamento temporal em que nunca nos colocamos no momento presente.

As moscas meditam 24 por dia, não pensam em boletos futuros nem em encrencas passadas, estão sempre focadas nos seu objetivos, sua vida é o agora, por isso são tão difíceis de matá-las. Que importa a elas o que já passou se nada trará de benefícios a sua curta vida, ou o que vai acontecer amanhã se ela não cuidar do seu hoje.

Conjecturas a parte, estou eu com o mata moscas posicionado esperando a hora certe de atacar, aguardando que a primeira suposta vítima assentasse no alvo, meu joelho, para que eu pudesse desferir sem muito esforço e com precisão o golpe fatal.

Espero, espero mais um pouco, uma das grandes senta no cabo de madeira do mata moscas, veja você, considero uma provocação, um pouco caso, balanço lentamente o meu braço para que ela não se sinta ameaçada e desapareça. Ela decola, sobrevoa minha cabeça, faz um looping perfeito, voa verticalmente para cima e retorna dando um rasante espetacular digno dos grandes aviadores , passa a centímetros de meu joelho, mas não pousa a danadinha, e vai-se embora.

Aguardo mais alguns minutos , outra aparece e, bingo, aterrissa no meu joelho, é a deixa que me faltava.

Coitadinha , acredito que ele nem soube o que aconteceu. Desferi o golpe com tamanha precisão e rapidez que fiquei até surpreso com a minha agilidade. Ele foi ricocheteada fez um arco no ar e caiu no chão à minha direita com suas 6 patinhas para cima.

Confesso que me deu pena do mísero inseto, aquela perfeita maquininha de voar com milhões de anos de evolução e adaptação ao meio o que conferiu-lhe uma aerodinâmica perfeita e prosperidade em sua vida.

Mas alguns segundos depois ela começa a tremer, suas asas movimentam-se, vira-se apoiando-se novamente em suas pernas, anda alguns milímetros para a frente, levanta vôo e vai embora.

Ela estava fingindo, mais uma de suas artimanhas.

Confesso que fiquei feliz com o desfecho final da minha história. Mais alguns dias e ela irá morrer mesmo, completando seu pequeno ciclo de vida e eu com minha consciência menos pesada.

E as férias continuam. . .