COMO VOCÊ DESCOBRIU ?





Era noite de sábado, no costumeiro “Baile da Saudade” da Vila Carrão. A orquestra tocava “ Fascination “ num andamento tão lento, que dava até sono. Foi quando Paulo Gustavo encantado com Maria Helena a convida para dançar naquele baile que era o único da terceira idade na zona leste de São Paulo. A maioria dos freqüentadores do baile era composta de moradores ou cardíacos ou safenados da região, de onde dizia-se ter a maior concentração de idosos da cidade por m².
Uma coisa é certa, o baile só começava depois que a ambulância do Posto de Saúde e UTI móvel estivessem lá embaixo.

O que desabrochou em Paulo Gustavo e Maria Helena, pode-se dizer, foi algo muito mais intenso do que um simples amor à primeira vista.Foi um choque entre o mar e os rochedos.que só os mariscos poderiam definir. Paixões violentas.
Deram-se tão bem que poder-se-ia dizer que foram feitos como unha e carne ,um para o outro, apesar de não esquecerem-se nunca de que “quem vê cara não vê coração”.
( N E :Bilionésima história que começa do mesmo jeito,mas como a arte imita a vida..)
Quando seus corpos se encostaram, surgiu entre eles, com tal e tamanha intensidade,uma explosão de sentimentos que fazia parecer a bomba de Hiroshima uma bombinha de São João. E foi assim que tudo começou..O circo estava montado ..
O cheiro de naftalina, que pairava no ar, dava uma conotação característica típica aos ternos dos “rapazes” e às roupas da maioria das “moças” da terceira idade que rodopiavam no salão.Fazendo lembar que estas roupas já viram dias melhores.
Quem estava fora do tablado, assistindo, tinha a exata sensação de que algum daqueles casais, de repente por tontura, logo logo fossem ao chão.Talvez por isso a orquestra tocasse tão lentamente.
Entre uma valsa e outra ,o entrosamento entre Paulo Gustavo e Maria Helena aumentava chegando até ao tradicional “parece que te conheço de outras encarnações”.Típico papo de cerca - lourenço.
Ele, um funcionário público, chefe dos fiscais da Prefeitura, corrupto, cinqüentão, cheirando a colônia barata, cabelos grisalhos, trajando um paletó cor de vinho, lapela larga,escolhido a dedo na loja: “ Tesoura de Ouro “ lá da Vila Carrão.
Ela, uma viúva quarentona bem apanhada, num vestido vermelho bem justo, que deixava os velhinhos do baile “babando”, na acepção da palavra. .
Conversando, mais tempo, descobriram que haviam passado por experiências semelhantes na vida, o que foi suficiente para uma troca de olhares se tornar a faísca que acenderia o fogo daquela paixão. .
Em poucos meses após, casaram-se.
Tá certo que Paulo Gustavo,apesar daquele mar de rosas em que viviam ,às vezes, demonstrava um certo temperamento meio nervoso ,apreensivo, que o levava a ter certos arroubos de agressividade,o que assustava sobremaneira ‘a mulher,despertando certo medo na moça.
Não que ele tivesse grandes defeitos, pelo contrário,mas possuía, arraigados, certospre conceitos machistas e tolos.
Repetia sempre:”casamento é como submarino;feito para boiar mas afunda.”
Pela sua forma de pensar, por exemplo, ele não valorizava datas comemorativas, parecendo mesmo ter raiva, de comemorações que para a esposa eram importantes Fato este, que com o tempo e outros tantos foram desgastando um casamento que após 5 anos já estava se dirigindo celeremente ao desfecho.,que como diria o Conselheiro Acácio era um caminhão numa ladeira.
Arraigado à sua conduta ridícula, insistia na sua opinião inútil dar presentes a alguém deveria ser sempre quando se tivesse  motivado\e e pronto. Achava que "Dia das Mães",dos pais,das criançasl .etc.foram feitos pelo comércio e não representavam a real sinceridade no ato de se presentear.Presente não tinha hora...
Acontece que com o passar dos tempo Maria Helena foi vendo que sempre haviam segundas intenções nos “presentes” de Paulo Gustavo.,quando ele os dava.
O tempo se encarregou de mostrar o espertalhão, beberrão e mulherengo, que esse safardana se tornara. “Atrás de qualquer presente dado á esposa sempre vinha algum pedido de “alvará” dado por ela.
Ora ir com os amigos pescar em Mato Grosso, ora ir ao Carnaval do Rio de Janeiro, noites intermináveis dizendo jogar pôquer com os amigos,e outros “programinhas” cheios de bebida e mulheres.Porém sempre alegava de pés juntos estar só com os amigos e mais ninguém Eternamente sozinho e sempre com muita saudade da esposinha.Enfim, esse homem de bobo só tinha o jeito de andar,como diziam seus colegas..
Apesar da boa vontade e condescendência de Maria Helena, em concordar com tudo, Paulo Gustavo,com o decorrer do tempo,foi-se tornando cada ez mais irascível, estranho, agressivo e mal humorado.
Por qualquer coisa ofendia à esposa, cada dia estava mais irritado e começando a chegar em casa, quase todo dia, bêbado e tarde da noite.
O sexo entre eles que antes era tão bom, já há mais de ano que ele nem encostava nela.
Foi quando Maria Helena descobriu por uma vizinha “ de confiança “, que Paulo Gustavo tinha uma amante, há mais de 1 ano.
Pensou friamente: “ Agora as coisas começam a fazer sentido.A casa que nós moramos, a fazenda ,em Mato Grosso, que meu pai deixou pra mim e até o carro são meus, meus pais que me deram Se eu me separar dele terei que dividir tudo com esse canalha e ainda dar dinheiro para essa vagabunda”.
“Por isso que ele está me agradando com presentinhos Deve estar preparando alguma.
Ela não imaginava que o marido quisesse algo mais além de querer separar-se dela e abocanhar metade da fortuna da moça..Queria sim, mas era acabar com ela de uma vez para sempre por todas e para tanto armou um plano junto com a amante.
Todavia começou a notar algo estranho no comportamento da esposa.Pensou logo que ela ,mulher esperta, já imaginasse que ele e a amante estivessem tramando um plano maquiavélico para a “solução final “. Será que ela percebeu
Num das raras noites em que jantavam juntos :

- Meu bem,estive pensado e eu acho que vou lhe comprar um celular.Até para sua segurança! Disse Paulo Gustavo
- Ah! Já sei o porqu^^e (ela sabia porque).Você quer é me controlar! Tá ciumentinho é ? Perguntou hipocritamente.
-Não querida não é nada disso.É para sua segurança.
E cada vez mais Maria Helena supeitava das segundas intenções, até as mais simples, nos gestos de Paulo Gustavo.
E fingindo não saber de nada,cobrava:
- A Mercedes, nossa vizinha, no dia dos namorados vai com o marido jantar no Leopolldo...E nós nem no “sujinho” vamos comer. .
- Eu sei querida, mas você sabe que a minha grana tá curta e nestes dias os restaurantes ficam superlotados e com filas quilométricas.Nem que a comida fosse de graça.
- Você tem desculpa para tudo.Há quanto tempo eu estou lhe pedindo para você me levar à casa da minha amiga Matilde, aquela que cozinha muito bem, e você vem sempre com uma desculpa. Até hoje você nem me deixou tirar a carta de motorista e dirigir o carro que ainda é meu.Você é muito egoísta.
- Mas querida, aquela sua amiga além de ser muito chata, mora pra lá da Parada Inglesa.Ficar ouvindo ela cantar ópera tudo bem, mas comer aquela torta de acelga, eu não agüento...
-Eu sei, você gosta mesmo é de ficar vendo mulher pelada na televisão para ver se excita comigo .Antes não era assim.Só de me olhar você ficava louquinho...
-Meu bem, você sabe que não é assim.Ontem à noite ,por exemplo, você viu que tentei ,tentei,mas não consegui nada...Não sei o que está acontecendo comigo.Desculpe.
“Eu sei - pensou Maria Helena - tá cansado mais é de tanto transar com aquela vagabunda”.
-Desculpe, desculpe .Pensa que eu não sei que todas aquelas cartas melosas que você vive me escrevendo, dizendo me amar, é porque certamente você deve estar com sua consciência pesada. Você não bebe para comemorar, você bebe para esquecer!
As discussões estavam neste pé quando ele resolveu colocar em prática o plano B.
- Por que você está me olhando desse jeito? Que foi que eu fiz amor ?
- Você sabe que dia é hoje?
- Não sei querida Você sabe que eu não ligo para essas drogas de datas.
- Tal seria !! Não adianta ,você não toma jeito mesmo.Isso é o maior descaso.Hoje deveríamos estar comemorando nossos 5 anos de casados .
- Essa é a única data que eu não esqueço meu amor.
E abrindo uma sacola de presentes tira uma belíssima caixa dourada com um laço vermelho.
- Nossa ! meus bombons preferidos.Puxa Paulo Gustavo você lembrou ? me faz pensar que quando o diabo te acaricia ele quer tua alma...
-Que bobagem querida. Comprei te amando. Coma querida.,coma !
Maria Helena não resistiu e depois de um certo vacilo levou o bombom à boca.
Em segundos ficou muito vermelha,os olhos esbugalharam-se.Uma baba fina começou a escorrer do canto da boca.Queria desesperadamente falar alguma coisa, mas não conseguia...Faltava-lhe o ar.A pele foi deixando de ser clara para tomar uma cor arroxeada.As mãos foram se crispando e tentando aspirar o oxigênio.Caiu violentamente no chão e entre convulsões, contorceu-se toda até ficar imóvel.
Paulo Gustavo placidamente sentado na poltrona da sala admirava a cena macabra que ele produzira e regozijava-se.
- Esses bombons recheados com arsênico foram espetaculares. Não imaginava que veneno de rato matasse tão rápido.
De repente, para espanto de Paulo Gustavo, Maria Helena ,mesmo caída no chão,apóia-se ap no braço esquerdo e tirando um revólver de dentro de uma pequena bolsa ,que trazia junto a si :
- Tem uma coisa que mata mais rápido que veneno de rato seu ordinário !
Tremula, assustada e cambaleante atira duas vezes em Paulo Gustavo. O primeiro tiro ela erra mas o segundo acerta o coração do marido em cheio.
Mesmo em estado de choque Maria Helena decide ir até o fim na sua empreitada.
“ Allia jacta est “
Totalmente descontrolada, recolhe do chão o revólver que caíra de suas mãos e lentamente leva-o à têmpora, sentindo o frio da arma tocarndo-lhe a pele molhada de suor, e numa fração de segundos ,vira-se ,e apontando para o peito do marido morto e dispara mais dois tiros.