Uma confissão para a minha analista

Acho que era março de 2015. Não tenho certeza... Mas foi depois do carnaval.

Fazia quase um mês que eu não saía de casa. Mas dessa vez me convenceram a por o pé na rua e eu me vi num meio de uma festa universitária. Não sei como fui parar ali, do lado dela... Antes eu tivesse permanecido em casa ruminando meus pensamentos. Mas algo dentro de mim me compeliu a me aproximar dela.

E então, como não era muito comum na minha vida, tudo pareceu fluir perfeitamente. Eu olhei pra ela. Ela olhou pra mim e sorriu. Conversamos boa parte da noite e antes de ir embora eu perguntei se nos veriamos novamente. Então ela me deu o número de seu telefone.

No dia seguinte eu liguei e ela atendeu.

Eu estava cansado de me investir nos relacionamentos errados. Cansado de dar tudo de mim e receber quase nada em troca. Mas ela me deu muitos sorrisos em conversas nas madrugadas que se seguiram, então eu achei que ela poderia querer ficar... de verdade.

Uma noite, no meio da rua, sem pensar muito bem, eu a pedi em namoro e ela disse sim, para o meu espanto. Apesar da mútua embriaguez, que me fez questionar se ela lembraria do que havíamos feito, no dia seguinte ela me chamou de namorado e eu tive certeza de que estava tudo certo. Puta merda. Eu não podia estar mais errado. Só que demorou pra eu perceber.

Eu não quero entediar ninguém com minúcias, dessa forma, pra resumir eu devo dizer que não demorou tanto pra que as coisas começassem a parecer fora de lugar. Ela começou a perder o interesse. Aparentemente não havia mais tempo nos seus dias para estar comigo. Estar apaixonado por ela se tornou uma matéria de aprender a conviver com as ausências e aproveitar o máximo dos momentos que tínhamos juntos. Confesso que minha paixão foi um tipo de cegueira que não me permitiu ver o óbvio. Havia outro. Na verdade, havia outras pessoas. E ela era outra pessoa. Alguém completamente diferente do que eu achava que ela era.

Enfim. Acabou antes que eu soubesse essa verdade. Pra ser sincero eu não aguentei tanta ausência. Tantas brigas e toda a culpa que ela me fazia sentir, simplesmente por eu não estar satisfeito com as migalhas que ela me dava. E eu me sentia realmente muito culpado. Acho que nunca tinha me sentido tão ansioso quanto como ela me deixava quando desaparecia e não atendia minhas ligações. Ou quando deixava de responder minhas mensagens. Teve um dia que eu simplesmente cansei e resolvi por um fim naquilo tudo.

As lágrimas que ela derramou, pareciam sinceras. Ela parecia sincera quando dizia que eu a estava abandonando. Que ela me amava e que eu estava sendo egoísta... e por isso tudo, eu me sentia sufocado pela culpa. Mas nada era pior do que a ausência que ela deixava quando fingia se fazer presente.

Demorou um pouco, e ainda vieram algumas brigas antes que a verdade batesse na minha porta. Até que eu soubesse que a ausência era deliberada. Demorou pra aceitar que ela me traía. Demorou pra que eu aceitasse que tinha sido feito de idiota por tanto tempo. Quase dois anos. Dois anos perdidos com alguém que beirava a sociopatia.

Me senti desperdiçado, muito mais do que enganado. Tive um certo nojo da minha própria inocência. Da minha credulidade. E o pior é que do lado dela não havia remorso. Só mais mentiras. Só cinismo. E os meses que se seguiram passaram como um borrão, de álcool, solidão e de raiva. Eu tive muita raiva, e não posso negar que tive pensamentos de morte. Muito mais dirigidos a mim mesmo do que a ela. Dela, eu tentei apagar todos os vestígios. Primeiros os materiais, mas o mais difícil era apagar as marcas que ela tinha deixado em mim. Os hábitos. As lembranças de momentos que eu achava que eram reais, mas que não tinham passado de mentiras.

Certas feridas demoram mais a cicatrizar do que outras.

E eu me pergunto quando eu vou conseguir esquecer isso tudo.

quando vou conseguir me perdoar por ter acreditado...

por ter pedido o telefone dela

e por ter ligado.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 07/01/2020
Código do texto: T6836423
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