WALDYR, O IRMÃO DO MEIO

WALDYR, O IRMÃO DO MEIO

Waldyr devia ter 5 anos e eu 3 anos. Dormíamos os dois numa mesma cama, num canto da cozinha da casa. Seria, como se dizia, como “Valetes”: um virado para a cabeceira da cama e outro pelos pés. A família era grande e se necessitavam desses arranjos para acomodar todos. Mas não nos incomodava a situação, visto que crianças, víamos tudo com a maior naturalidade. Salvo quando Mamãe ia até nossa cama, altas horas ou pela madrugada, retirar os pés de um, enganchados no pescoço do outro, quase sufocando, mas nem por isso nos sentíamos prejudicados e nem reclamávamos.

A primeira “peraltice” de Waldyr, se deu nessa época de nossas vidas e que ficou gravada para sempre, na família:

Certa manhã, Mamãe foi nos acordar e se deparou com o seguinte quadro à sua frente: Waldyr, sentado na cama, todo molhado de querosene, pescoço à baixo, peito e mãos e segurando uma Lamparina. Ele havia tirado o pavio, destampado e bebido a querosene de uma lamparina e a outra já estava sendo preparada para descer “goela abaixo”. Eu estava pertinho, assistindo tudo e curtindo com ele, que àquele momento estava me oferecendo um gole, esticando a mão com a lamparina, para mim.

Mamãe ficou aflita com a situação, mas, sendo ajudante de enfermagem e já calejada com cinco filhos, tratou de tirar os “drinks” de nossas mãos e me conferindo, viu que não tinha tomado nenhum gole, nem estar encharcado como o Waldyr. Em seguida, um bom banho, troca de roupas e uma caneca de leite morninho e estava feito o atendimento. Minutos depois o “beberrão” vomitava tudo que tinha no estômago e depois de umas broncas e mais leite, tudo voltava à normalidade na família.

Isso tudo se deu, pela facilidade de acesso às lamparinas, que depois de utilizadas pelo pessoal da casa, pela manhã, eram colocadas na janela, logo ao lado e acima de nossa cama.

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Essa “arrumação” de dormirmos juntos na mesma cama, também foi uma solução que Mamãe encontrou, certa feita, para resolver outra situação, “sui generis”:

Um de nós, não me lembro quem, pegou Sarampo, e como tratar Sarampo naquela época era tarefa trabalhosa e demorada, a solução foi a seguinte: - Enfiar Waldyr e eu, debaixo de um mesmo cobertor vermelho, para que aquele com sarampo passasse a doença para o outro e o tratamento seria ao mesmo tempo para ambos, economizando tempo e preocupações com o que não apresentava os sintomas, mas que fatalmente “pegaria sarampo” mais tarde.

Assim era feita, atacando as doenças e vírus, por atacado...

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Waldyr e eu ainda aprontamos muitas e no princípio da adolescência, outro acidente do qual a família se lembra sempre, aconteceu assim:

-Nossa cozinha era coberta com telhas de barro, curvas e simplesmente apoiadas sobre engradamento de ripas e caibros, não tendo forro nessa parte da casa. E, lembram-se de que nossa cama era num canto da cozinha. Pois bem, para guardar “coisas”, como varas de pescar e ferramentas, algumas eram enfiadas entre as telhas e as ripas do telhado e ficavam bem sobre a nossa cama, bem firmes para não cair.

MAS...sempre poderia acontecer algum acidente com o irrequieto Waldyr. Estávamos brincando e pulando na cama, jogando travesseiros um no outro, quando ele, o Waldyr, levantando mais os braços, com o travesseiro na mão, esbarrou lá no alto do telhado e deslocou de seu lugar, uma machadinha, dessas de cabo curto, que Papai usava para cortar lenha para o fogão. Não deu outra, a machadinha desceu lá do alto, direto na cabeça dele.

Foi um DEUS NOS ACUDA, com o sangue jorrando da cabeça quebrada de meu irmão, meu mestre nas brincadeiras. Mais uma vez, Mamãe, com seu sangue-frio resolveu tudo, banhando o ferimento com água de sal e vinagre...Médico? Que nada...aqui se faz, aqui se resolve...

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De outra feita, mais uma vez, a sina do Waldyr, de “levar na cabeça” se consumou. Brincando e azucrinando uns e outros, não me lembro se foi correndo da Santinha, ou do Waltencir, ou do Walter, (de mim, ele nunca corria, pois sendo mais novo, ele não tinha medo de mim) entrou correndo na casa, vindo do quintal e:

- Papai estava todo esparramado na poltrona, após o almoço, de boca aberta, limpando os dentes com um palito e o perseguido Waldyr, correndo e olhando pra trás, deu uma cabeçada na boca de Papai e ambos rolaram pelo chão da sala. Ambos levaram a pior: Waldyr saiu com a cabeça furada pelo canino de Papai, todo ensangüentado e na mesma corrida se enfiou debaixo da cama, com medo de apanhar e Papai, levantando-se e se recuperando do susto, foi procurar um pedaço do dente que quebrara com o impacto da cabeçada do irrequieto filho.

Mais uma vez, Mamãe acudiu ambos, com sua milagrosa água de sal e vinagre que preparava rapidamente nessas ocasiões...

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Para encerrar o ciclo de acidentes sangrentos com esse meu irmão querido, resta o que, não como autor, mas como vítima, mas, pecando pela imprudência. Vejamos:

- Papai sempre gostara de pescarias, o que fazia com seus irmãos, desde a juventude e, passava para nós, seus filhos o gosto de “dar banho na minhoca”. Na véspera da pescaria, num sábado à tarde, estávamos todos, esbanjando alegria, preparando o material de pesca, cada um escolhendo sua vara de bambu, amarrando chumbadas e anzóis na ponta das varas.

Tio Gaspar, irmão de Papai, gostava de “mexer” com seus sobrinhos e vendo o Waldyr amarrar a linha numa vara e deixando grande ponta sobrando e vendo que ele, com a tesoura na mão se preparava para cortar o excesso, chegou bem perto dele e lhe falou: “Oh português (o pai de Mamãe era português) você vai cortar a linha do anzol...Não é que Waldyr, atazanado pelo Tio, acabou por cortar mesmo a linha do anzol, que havia amarrado tão diligente? Foi uma gargalhada só, que ecoou pela casa.

No domingo pela manhãzinha, para conseguir iscas frescas, fomos nós, eu, Waldyr e Waltencir até lá nos fundos, nas bananeiras, cavoucar o terreno em buscas das minhocas. Waltencir, por ser o mais velho, batia a enxada e levantava torrões de terra adubada onde as minhocas tentavam escapar se enfiando novamente para dentro. Ele parava e nós, Waldyr e eu, com latinhas de leite em pó, bem lavadinhas, abaixávamos e metiamos as minhocas nas latas, com um pouco de terra, para conservá-las por mais tempo. Assim era o ritual, uma, duas enxadadas, Waltencir parava e nós esfarelando os torrões, capturávamos as iscas. Mas, numa dessas, já quase com o serviço completo, nós já havíamos nos levantado quando Waltencyr já levantara a enxada para mais um golpe, quando o Waldyr avistou a “rainha das minhocas” tentando se escafeder por entre os torrões e se abaixou para pegá-la. A enxada já estava no ar e não foi possível brecar. A enxada foi direto na cabeça do apressadinho Waldyr. Estava pronta mais uma tragédia para os cuidados de Mamãe e sua água salgada com vinagre.

Enfim, parece que sempre estávamos à espera de mais um acontecimento desses com nosso irmão do meio, Waldyr Clemente...éramos sete irmãos, três mais velhos e três mais novos que ELE.

Ah, a pescaria...saiu assim mesmo, com a cabeça enrolada em gases e chapéu, lá fomos nós com ele, “dar banho na minhoca”...