Há quem diga que a vida começa aos 20, outros aos 40, outros ainda, insistem no 60, já eu, diria sem medo, que a vida começa todos os dias.
Na segunda-feira do Sr. Valney que por causa de um acidente de trabalho ficou cego, e embora tenha recebido uma "boa bolada" pra compensar a perda permanente, segue tranquilo a sua trajetória num asilo rural que ele acredita ser uma fazenda. O seu olhar jamais refletirá a verdade estampada nas fotografias do jornalista que fez uma denúncia ao órgão competente sobre maus tratos. No rosto daquele homem que cruzava a rua da vida no número 77 e esperava a rua da morte, como se ela fosse uma recompensa dada aos que estão mais pertos de Deus (e ele estava).
Na terça-feira da D. Maria que foi levar a neta na escola e foi atropelada por um motorista embriagado que deixou “a festinha” as 7 da manhã e deu a ela um presente de grego: o status de cadeirante. "A morte não me consumiu porque Deus tem Misericórdia daqueles que o amam". Mesmo depois de passar por ela, ao mínimo três coletivos de transporte público que a recusaram de modo taxativo; - O elevador está inguiçado. E ela(coitada) parecia feliz ao agradecer a (in)delicadeza dos motoristas.
Na quarta-feira que é dia de Radioterapia de Helena Grinaldi. Uma metástase na coluna que não tira dela o sono (Perco o meu apenas por ansiedade). - Nada acontece por acaso em nossas vidas! Todos os dias me pergunto para que vivo essa experiência e vou conhecendo um pouco mais de mim. No fundo sei que precisava de um chaqualhão desse. Depois do diagnóstico, agradeço até as batidas do dedinho mundinho nos cantos do sofá.
Na quinta-feira que é a data marcada para o nascimento dos quadrigêmios do João. Não conseguiam ter filhos e deciddiram pela inseminação artificial e pimba! 4 bonequinhos de porcelana (mamíferos). São dois auxiliares administrativos levando a vida com leveza mesmo sabendo que por mês serão aproximadamente 1000 fraldinhas. - Que tal se cotássemos uma máquina de fabricar fraldas?
Na sexta-feira que não por coincidência é a sexta vez que Túlio bate à porta de um emprego (no local de cadastramento da cidade). Pegou senha as 4 da manhã, numa noite fria, -4 graus, porque suas pedaladas de fim de semana não não enchem barriga vazia (as pedaladas fiscais seriam a loteria premiada.
No sábado, dia de encontrar o grande amor da vida de Leona que esperou 2 anos, seis meses e 2 dias por esse momento. E quando aconteceu chegou à conclusão que era fake. 
No domingo de festa na casa de Pietro que bebeu demais e acabou revelando as suas escapadinhas em “rede nacional familiar” via mensagem errada no grupo da família.
Mas, decerto, a vida começa mesmo quando a efemeridade é vista no AVC do cãozinho que não conseguindo segurar a emoção do reencontro com o dono pós viagem, veio à óbito; quando passamos mais tempo vendo a roda gigante “rodar” e nem ficamos tontos ou o quando observamos o girassol virar em busca do sol; quando apressar o passo não é sinal de ganhar tempo mas de perder a oportunidade; quando o telefone é sinal de cansaço e os risos fazem cócegas na alma numa piada da vida real ou quando a história vale mais um olhar de surpresa que um emoticon de olhos virados enquanto destilamos nosso veneno hipocrita, na turma.
A gênese da vida começa, na prática, quando descobrimos o valor da vida e percebemos que não há dinheiro que pague. Até lá, vamo renovando os votos de melhor tempo, aos 20, aos 40, aos, 60, aos 90 ou antes da morte, numa cama de hospital, em que a última frase dita, bata como relógio num tic-tac da realidade nua e crua: “Se eu pudesse voltar... Mas..." 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 15/01/2020
Reeditado em 17/01/2020
Código do texto: T6842733
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