Adulta.

Em fevereiro me formei como coach, mais especificamente como life coach. Fiz um curso muito interessante onde, através da psicologia positiva, aprendi a solucionar gaps, técnicas de motivação, liderança, organização de rotina e implementação de bons hábitos. Tudo isso através do autoconhecimento, positivismo e estudo. Em consonância ao curso percebi que a faculdade que estava cursando talvez não fosse mais adequada para mim e por uma infinidade de razões, as quais não merecem ser citadas aqui, desisti da faculdade. Voltei para a casa dos meus pais o objetivo era cortar gastos, economizar, estudar novamente para o vestibular e finalmente recomeçar. Quando tomei a decisão de largar a burocracia do direito, sofri amargas consequências, paguei o preço emocional e social do recomeço. O olhar de pena, julgamento, as perguntas inconvenientes e os conselhos não solicitados preencheram os primeiros meses da minha volta. O mais difícil foi ver a coach motivada, feliz e sonhadora se esvair com os tropeços da vida adulta.

A academia foi deixando de parecer uma boa ideia, a mesa de estudo foi sendo substituída pelo aconchego da cama. Sair de casa começou a ser menos divertido, e além de muitas outras coisas, kg foram perdidos.

Me tornei quem eu mais temia: um de meus clientes. Não estava com depressão, mas também não estava saudável. Foi então que em um dia analisando minha cômoda a ficha caiu. Meus livros sobre o poder do hábito, liderança motivacional e felicidade haviam sido substituídos por " e agora o que eu faço?", " Como sair do fundo do poço" e "Ansiedade, uma analise". É Maria Isabel, a coisa tá preta. Em um de meus raros momentos racionais onde o medo não gritava mais alto que o a esperança percebi que ninguém melhor do que a mim mesma para me tirar daquele buraco. Eu junto a minha psicóloga e psiquiatra, que já estavam me auxiliando no que podiam, poderíamos formar um time imbatível contra a procrastinação, os neurotransmissores desobedientes e o negativismo. Fala sério, eu estudei tanto, li tantos livros, assisti palestras e mais palestras eu não aceito cair na mesma armadilha da qual eu tiro as pessoas. A decisão estava tomada, comecei então tentar colocar em prática os hábitos positivos que, um dia, dominaram minha rotina. Visualização, meditação, exercício físico, escrita, alongamentos, música, e principalmente privacidade para a autoanálise. Precisava de tempo e espaço ja que a prática não é tão fácil como a teoria. Comecei com calma, e seguindo a dica que dava aos meus assessorados, não tem tempo de ir a academia? Faça em casa. Baixei alguns aplicativos de exercício coloquei uma música e dei início. Menos de um minuto depois minha mãe já estava no quarto pra ver o que era aquilo. " Que isso Maria Isabel, ficou louca?" Eu não sei se vocês já passaram por isso, mas te garanto que não é muito agradável fazer agachamento enquanto seus pais te observam com uma cara de ' é, ela não está bem mesmo não'. Confesso que fiquei mais tímida nos meus movimentos, diminui o volume do som e tentei ser mais discreta na minha tentativa de malhar. A segunda prática foi a de meditar, logo pela manhã coloquei um vídeo de meditação guiada sentei no chão e comecei a focar na minha respiração. Inspira expira inspira expira. Ommmm ommmm ommmm. Menos de um minuto depois minha mãe estava na porta do meu quarto, peço permissão para o uso de uma fidedigna, mas chula comparação, que infelizmente é única que cumpre com total efetividade a demonstração do ocorrido. Minha mãe me olhou exatamente como o meme da Nazaré calculando. E depois de 5 segundos de total estranhamento ela soltou a frase " isso não é de Deus não menina". Por respeito a todos os hinduítas e praticantes de meditação, esclareço: minha família é de uma cidade pequena, com cultura extremamente baseada na igreja católica e, por mais que sejam as melhores pessoas do mundo, não compreendem as novas técnicas de motivação e controle da mente, mesmo que elas tenham sido inventadas a mais de 5mil anos atrás. No início essas interrupções abruptas me irritavam, hoje já são motivo de piadas entre meus amigos. Me preocupei em entender como eles pensavam e a ser empática com a sua estranheza.

A terceira e última tentativa foi a do alongamento. É comprovado cientificamente os inúmeros benefícios do alongamento e como ele pode ser relaxante e prazeroso quando praticado correta e regularmente. Por isso, todos os dias quando acordava eu me deitava no tapete e começava o estica estica, dessa vez sem música e com a porta fechada. Não demorou muito para minha mãe, que não entende a função e o significado de uma porta fechada, me pegar no flagra. Dessa vez sua atitude foi diferente ela disse : " menina tava mesmo querendo alongar estou ficando velha e toda travada" foi então que minha tentativa de solidão e sossego foi substituída por " filha me ajuda, me ajuda não tô conseguindo voltar".

Foi por esse e por vários outros motivos que cheguei a conclusão: é impossível ser uma coach morando com seus pais.

Maria Emidio
Enviado por Maria Emidio em 16/01/2020
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