Tesouro de um janeiro

Já se passaram tantos janeiros, mas não me acontece esquecer o Nando. Ele lá no térreo de sua casa, ouvindo suas canções prediletas, e repetidas vezes a Legião Urbana. Nando amava mesmo aquelas canções, às vezes dava até a impressão de que o sol batia mesmo na janela do seu quarto.

O que poderia me aborrecer naquele rapaz de bela irmã de olhos azuis seria a insistente imitação de eu estar ébrio (estive sim, ébrio de aguardente). Mas me divertia aquilo! Como me divertia! Desejava que repetisse a imitação. Ele fazia aquilo que a mim parecia o ridículo dos ridículos parecer uma agradável e pueril diversão.

Ah, o Nando, sempre como uma boa canção. Fingia distração e ao passar dava um tranco de ombro e se apressava para cuidar que a gente não caísse.

Teve isso: quando saiu o resultado do vestibular, e diante de meu sucesso, aquela criança me parecia tão feliz por mim (parabéns, parabéns e inventiva e doce reverência: se curvava executando uma saudação japonesa).

Já se passaram tantos janeiros. O Nando tornou-se um milionário. Dizem, mas não quero acreditar, que o Nando agora é petulante e arrogante. E pior: deu no jornal de hoje que ele é investigado por sonegação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha, segundo os policiais e promotores de crimes fazendários. Relata o jornal a fala do Nando, cuja voz não ouço há anos: "Estamos tranqüilos. Vamos esperar as coisas acontecerem para que possamos agir dentro da lei"

Será que aquele garoto teria sido - com o tempo -, sucumbido, adulterado, pelo “ Mal da Filargyria” - o apego execessivo ao dinheiro que corrompe o carácter até de gente boa? Será que o Nando perdeu o tesouro que estava guardado dentro daquele coração de menino?

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 07/10/2007
Reeditado em 07/10/2007
Código do texto: T684365