UM CLICHÊ DE FELICIDADE
Preciso mais de almoços pós Natais, aquela aura de completa satisfação do corpo e rejúbilo da alma. Preciso mais de chuvas inesperadas no caminho, molhar os ossos para refrigerar o peito.
E preciso até de um arco-íris no horizonte semelhante a um presente exclusivo.
Preciso mais de filmes com Rita Hayworth e Fred Astaire. Filmes em preto e branco, alguns com aura noir, de uma pipoca e chuva na janela.
Ando precisando caminhar na areia junto ao mar, mirar os navios na costa com aquele sentimento lúdico de criança quando ficamos deduzindo para aonde eles irão.
Preciso de mais livros de Marcel Proust, não para bancar a pseudointelectual, mas para fugir de alguma realidade obscura e poder caminhar nas estradas fictícias de Combray apreciando os espinheiros brancos com a alegria ingênua do personagem. E preciso de um coração jovem como o dele, sem o qual a epifania não se produzirá.
Ando precisada de comédias bobas, gestos fora de moda, até de flores na calçada.
Preciso de mais risos sem porquês, de telefonemas inusitados, drinks nunca tomados, noites ainda não vividas. Ando precisando soltar a alma das gaiolas preconcebidas, pular o muro invisível que cresce em todos os caminhos. Ando precisando de caminhos novos, alma lavada, um clichê de rebeldia. E de vez em quando ando muito precisada de um clichê de insólita felicidade. Que chegue.