Aprendi a ser ponte.

Não me recordo do ano com exatidão, perdoe-me.

Lembro-me apenas das missas, as vestimentas dos padres, de certa forma aquilo me encantou, tanto que, comuniquei a minha família do meu desejo de me tornar padre. A minha mãe, católica fervorosa, alegrou-se como nunca antes, pois era de grande benção no meio católico uma mãe ter um filho sacerdote. Eu estava, se não falha memória, no segundo ano do colegial, mas isso não era empecilho. Era começo de ano, disso me lembro.

Começava uma busca.

No início daquele ano comecei, com a ajuda da minha mãe, à procurar por um seminário, diocesanos, carmelitas descalços, missionários redentoristas. Eram muitas as opções, alguns dos meus familiares não deram crédito às minhas intenções. Por fim, achei um anúncio que não me recordo onde, em que mencionava os Legionários de Cristo, seminário localizado em Arujá. Depois de alguns contatos, cartas, ligações, finalmente dois padres vieram visitar-me. Na época eu residia na cidade de Alumínio, vila Brasilina.

O dia da despedida.

Separei todas as peças de roupas exigidas, todas marcadas com as iniciais do meu nome, enfim, o grande dia. Meu coração parecia saltar pela boca, abraços de familiares, no olhar de alguns o grito da dúvida em forma de silêncio, mas, o meu coração ocultou no mais profundo os desejos mais secretos, dando lugar à novidade. Os últimos abraços, aquele olhar... Bom, me despedi de todos, sepultei os meus sentimentos, considerados por mim, mundanos demais.

Nova casa.

Quando cheguei ao seminário em Arujá, noviciado dos Legionários de Cristo, Regnum Christti. Lá, conheci o candidatado, período de três meses de introdução, discernimento e transição para um novo estilo de vida. Terminado esse período, seria solicitada a admissão, para então realizar o noviciado de dois anos e a primeira profissão religiosa. Depois do noviciado, eu, como “Legionário” passaria por dois anos de estudo das humanidades clássicas, cultura geral, música e línguas modernas, e depois o estudo em Filosofia. Concluído o segundo ano de Filosofia tanto eu como os religiosos em formação dedicaria três anos de práticas apostólicas, interrompendo os estudos. Assim, ao mesmo tempo em que exercita-se no trabalho apostólico, se enriqueceria com o contato e conhecimento direto da realidade em que vivem os homens. Voltaria depois ao centro de estudos superiores da Legião onde concluiria os estudos filosóficos e realizaria os de teologia. Depois de 10-14 anos de formação receberia a ordenação sacerdotal. Esse deveria ser o caminho a trilhar da minha nova vida, no entanto… Não foi como planejado.

Retorno para casa.

Não fiquei muito tempo por lá, meu coração, segundo disseram os superiores, não estava preparado para os anos que se seguiriam. Verdade seja dita, àquele não era mesmo o meu lugar. Entretanto, anos depois, fico ainda a meditar naqueles áureos dias, tenho saudades das amizades que lá deixei. Hoje, professo uma fé diferente, sou evangélico, mas, o amor às almas é o mesmo, continuo com o mesmo carinho e amizade com todos, independente da fé professada. Aprendi a respeitar as diferenças, a amar como desejo ser amado.

Aprendi a ser ponte, não muro.

Vivemos em uma sociedade onde o amor está cada vez mais escasso, o respeito parece não existir entre as pessoas, e a vida humana perdeu o valor, perdão é uma palavra em vias de extinção. Vou terminar essa crônica de recordação dizendo que, amar, como diz o poeta, se aprende amando. Aquele que é ponte sempre liga o que estava rompido juntando o que estava separado, não importando se quem está do outro lado da margem pensa diferente, pois aprendi a ser ponte, e não muro.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 19/01/2020
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