AZEITONA NA EMPADA DOS OUTROS

Há uma praia, no município de São Francisco do Itabapoana, bonita e bastante frequentada pelos residentes no norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro, assim como por turistas de outras cidades, regiões e estados, que é a conhecida praia de Santa Clara. E nessa praia existe uma igreja, cujo nome é o que dá causa e serve de motivo a esta crônica.

Trata-se de uma igreja batista, mas o que me despertou a atenção foi o nome que lhe deram seus fundadores. Em lugar de chama-la, simplesmente, de Igreja Batista de Santa Clara — indicativo da sua localização — resolveram adotar para ela o designativo de Igreja Batista Praia Clara. O que, parece bastante óbvio, teve o equivocado intento de fugir à menção daquela santa da Igreja Católica.

Não ponho, nestas linhas, nenhum propósito de defesa da canonizada pelo catolicismo ou, seja lá, do que for. Mas tão somente o de manifestar a minha estranheza, porque Santa Clara, neste caso, é apenas a designação de um lugar. Mesmo que, em sua origem, tenha sido a homenagem a uma santa do catolicismo. Como São Paulo, Santa Catarina, São Luiz e tantos outros mais.

Na época das grandes navegações e no período Colonial, isto era muito comum. Pois, como as viagens para o "Novo Mundo" traziam consigo um caráter exploratório e de catequese, a cargo dos jesuítas, muitos lugares e acidentes geográficos foram “batizados”, por assim dizer, com nomes dos santos da Igreja Católica.

Frequentemente, o nome daquele ou daquela que fosse comemorado no dia da descoberta. Uma prática que ainda perdurou pelo período imperial, por serem católicos os membros da Família Real Portuguesa. O mesmo que, aliás, também aconteceu com as colonizações espanholas.

Acontece que, atualmente, esses nomes não nos remetem mais àquelas homenagens. Porque, rigorosamente, são apenas a indicação e a identificação de cidades, rios, baías, ilhas, cabos, istmos e outros acidentes geográficos do gênero. Desnecessário, portanto, recorrer a esses artifícios, para escapar de mencionar o nome completo do lugar, para que isto não pareça uma espécie de reverência a um ícone de outra religião.

Desse modo, a simplória solução equivale ao mesmo que, sendo o sujeito ateu e, querendo abrir algum negócio no noroeste fluminense — bem na divisa do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, onde se encontram as duas Bom Jesus (uma de cada lado do rio Itabapoana) — atribuísse ao empreendimento o estranho nome de "Hotel Mau Jesus". Afinal de contas, pensaria ele, "não estou aqui para prestigiar as crenças e os dogmas de ninguém"! Uma tosca preocupação, diga—se de passagem.

Reconheço que, em se tratando das convicções religiosas, cada um tem a liberdade de cultuar a sua, bem do jeito que quiser. Mas, desse tipo de tolo sectarismo, sendo religioso ou político, o que conheço de mais divertido diz respeito à rivalidade antiga, existente entre duas cidades do Rio Grande do Norte. Natal, que é o centro político e administrativo do Estado e Mossoró, que é a cidade mais importante, depois da capital.

Competindo entre si, pelo desenvolvimento, destaque e importância no contexto potiguar, os nascidos em ambos os municípios não perdem a chance de se debocharem reciprocamente, trocando farpas e ironias ou inventando anedotas. Os de cá sobre os de lá e vice versa.

Os natalenses contam, por exemplo, que nos períodos de final de ano algumas gráficas da outra cidade trabalham a todo vapor, para imprimirem seus próprios cartões, que os mossoroenses enviarão aos amigos, parentes ou clientes, estampando mensagens que dizem: "Feliz Mossoró e Próspero Ano Novo!"

Porque é claro que um natural de boa cepa, daquela cidade, jamais iria desejar um feliz Natal a ninguém. E esta é, mais ou menos, a mesma lógica da qual se valeu a Igreja Batista Praia Clara, para “não colocar azeitona na empada dos outros”. Era só o que faltava!


Ilustração: Praia de Santa Clara (Google Imagens)