Sobre as coisas do sentir.

Muitas vezes a nostalgia me assola. Mas sem o sentido literal da dor, aquela dor amargurada, desesperançada, mas aquela dor da certeza de que o passado ficou necessariamente para trás.

Viajo com frequência ao passado, relembrando imagens, sonhos, contemplação. A busca do vagalume na casa do tio no Paraná, a suposta assombração naquelas noites escuras, os enfeites com folhas do pessegueiro nos bolos de barro do quintal da casa da tia.

Mas não quero, não posso e não pretendo me esquecer dessa vida com sabor... mas eu estava nesse caminho.

De tanto ler os jornais, acompanhando a demência coletiva que se assenhorou do poder, a maldade refinada com que se trata a sociedade, o escárnio sobre a vida e sobre a morte... confesso que adoeci e os meus sonhos se esvaíram pelos ares e pelos céus dessa cidade onde vivo. Maravilhosa, com a maresia a inundar os poros, com as figueiras a convidar deleites e a comida a arrumar mais espaços para que o espírito melhor se acomode nesse invólucro carnal... pacificamente.

Eu me lembro de uma professora de Inglês, na minha adolescência, nas Escolas Fisk da av. D. Pedro. Em São Paulo. Excelente professora, dizia, naqueles anos 70, que lia muito, mas não jornais. Eu compreendia que ela queria viver intensa e plenamente e não se amargurar com os horrores de então.

Hoje começo a agir como aquela jovem professora que, ingratamente, não me recordo o nome.

De tanto ler sobre as insanidades, as sandices, as vergonhas alheias, fui me tornando menos humana, mais calada, com as retinas fatigadas das matérias jornalísticas e a alma pesarosa e infinitamente triste.

E percebo que assim nos querem: depressivos, sem reação, inativos e sem sonhos.

Volto para uma literatura humanista. Os livros para mim sempre foram os meus melhores e mais íntimos amigos, no sentido mais abrangente da palavra. Jamais deixei de ler, mesmo nos meus momentos mais infelizes.

Retomei a leitura de Jorge Amado. Há quantos anos, Jorge, eu não me banqueteava com as suas reflexões e palavras tão certeiras a desenhar a nossa sociedade tão massacrada!

Estive em São Paulo no mês passado e lá fui aos sebos tradicionais da Praça João Mendes. Comprei livros fabulosos, inclusive as memórias do Érico Veríssimo, que eu já havia lido há mais de três décadas. Sim, nos anos 80 eu li quase toda obra do doce humanista de Cruz Alta.

Ali, nessa obra riquíssima de humanismo e presença , “Solo de Clarineta”, leio:

“O poente começava a avermelhar-se para o lado do Cadeado, conhecido também como o lado dos Veríssimo, pois era para aquelas bandas que meu avô paterno tivera um dia campos e estâncias. A estrela vespertina cintilava no firmamento. Eu estava em paz com o mundo e comigo mesmo. À noite, na frente da casa – planejava – íamos brincar de índios peles-vermelhas e cowboy. Eu seria o bravo Buffalo Bill. Mãos ao alto! A vida era boa. O mundo estava certo. Deus tinha sempre razão. E Deus era bom”.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 30/01/2020
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