Lira dos 27 anos

Aos 5 anos eu sonhava com uma festa surpresa.

Aos 7 anos, queria assistir escondida a filmes de terror (mesmo morrendo de medo).

Aos 9 anos não via a hora de poder ir à escola sozinha.

Aos 11 anos eu queria fazer as sobrancelhas e pintar os cabelos de vermelho.

Aos 13, queria beijar o menino mais bonito da escola.

Aos 15, já queria namorar em casa.

Aos 17, não via a hora de curtir festas e baladas.

Aos 19 anos eu ainda idealizava o amor perfeito.

Aos 21, descobri o peso dos boletos.

Aos 23, maternidade no auge.

Aos 25 anos, faculdade, filha pequena, e mais boletos para pagar.

Aos 27, com insônia, decidi escrever esse texto.

Tive a festa surpresa dos sonhos. Os filmes de terror são os primeiros no catálogo da Netflix e faço questão de assisti-los sozinha (não tenho mais medo, quer dizer, só às vezes).

Vou à escola sozinha até hoje pois me tornei professora (risos nervosos). Brincadeiras à parte, adoro a profissão que a carreira acadêmica me trouxe. Faço as sobrancelhas regularmente e passei alguns anos com os cabelos vermelhos (péssimo gosto, por sinal. Não tenho saudades).

Beijei o menino mais bonito da escola, e reparando bem ele nem era tão bonito assim. Namorei em casa uma, duas, três... cinco vezes. Até os 23, as baladas eram legais, hoje nem tanto. “Festa estranha com gente esquisita” – te entendo, Eduardo.

Descobri que o “amor-perfeito” é uma flor, e só. Os boletos continuam aqui e se multiplicam como coelhos em idade fértil. A maternidade é pesada e doce, não necessariamente nessa mesma ordem. Fiz a tão “sonhada” faculdade. Fiz processos seletivos. Carteira assinada, obrigações eleitorais em dia, ficha do “nada consta” mais limpa que consciência de bebê recém-nascido.

Nessa contagem de dois em dois, fiz também 27 anos.

E ao fazer 27 anos descobri que a vida é um eterno emaranhado de desejos não alcançáveis até certo ponto. Aos 27, eu me tornei a tia do rolê. 27 com cara de 27, ponto. Com uma filha na segunda infância, uma mãe na casa dos 50, e uma vida adulta/problemática como manda o figurino.

Ter 27 anos é viver num eterno limbo.

Você ainda não chegou ao céu. Você ainda não conheceu o inferno.

Aos 27 você vive uma mistura de ser jovem demais para sentir dores na coluna e velha demais para aguentar uma noite na balada.

Aos 27 você vai, mas você tem medo de ir. Aos 27 você tem medo de ir, mas vai. Aos 27 você está na metade (ou quase) da vida.

Aos 27, provavelmente, você já perdeu algum ente querido por velhice ou doença crônica. Não que a morte dependa de uma idade cabalística, mas há veracidade no que escrevo.

Aos 27, os grandes/maiores/melhores amigos não fecham uma mão no quesito quantidade. Aos 27 você come muita porcaria, se preocupa com isso, mas continua comendo até aparecer uma diabetes ou uma hipertensão...

Aos 27 a gente até quer brigar com o mundo, mas tem preguiça e prefere se calar. “É, mundo, você está certo!”. Aos 27 a gente também quer sossegar o coração, mas já é bem mais seletiva com esses assuntos afetivos e blábláblá.

Aos 27, o som muito alto já incomoda mais que o normal. Adolescentes frenéticos com gritos estridentes incomodam. O sossego, aos 27, é abalado com mais facilidade e vale ouro.

Aos 27 a gente amadureceu bem mais que aos 17, e sabe que até os 37 ainda há um longo caminho a percorrer.

Não é que a aurora dos 27 anos apenas nos traga malefícios, jamais! Mas ter 27 anos é um paralelo. Se fosse Balzac, não escreveria sobre a mulher de 30. Falaria com deslumbramento sobre a loucura da mulher de 27 – talvez eu mude de ideia até lá. Aguardem.

O que hoje sei é que detesto os anos ímpares e as angústias que eles nos trazem – ou que trazem a mim, em específico.

E por que estou escrevendo isso a esta hora da madrugada? Porque acabou o café solúvel e estou irritada.

E aos 27 anos, o vício no café (e sua ausência) já atormenta o juízo de qualquer cristão.

E antes que você venha me dar lições de moral por ser tão “jovem” aos 27 para escrever tais atrocidades sobre a idade que já levou várias estrelas do rock por causa de overdoses, festas e afins, respeite o meu direito de questionar.

Já tenho 27, oras. E só tenho 27. Me dá um desconto!

Aos 27 a gente pondera um pouquinho mais. Aos 27 a gente já quer paz.

E café.

Aos 27 anos a gente quer vencer a insônia com café.

Pois é... Respiramos paradoxos aos 27.

A verdade é que aos 27 a gente só quer chegar aos 28, agradecer pela benção do ano par e reclamar um pouquinho mais (só pra não perder o costume, claro).

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 31/01/2020
Reeditado em 31/01/2020
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