MARIA, DOMINGOS & JOSÉ

Antônio Coletto – 12-11-2019

O Zé, filho de Maria, companheira de Domingos, que não era o seu pai, deixou a Escola Profissional marceneiro formado. Retornou à mãe onde, com Domingos, atendia rurícolas num empório. Inteligente e criativo, nos fundos montou a oficina e passou a esculpir, em madeira, moldes de chapéus. Fez de vários tamanhos, mostrava-os aos pais e amigos, sem revelar suas intenções. Tornou-se o orgulho de Maria e Domingos. Para satisfazer sua oculta intenção, o Zé passou a trabalhar a palha de milho: tornou-a sedosa e maleável, própria à tecelagem. Teceu-a e, com ela envolveu os modelos esculpidos, fez chapéus de palha à panamá, uma digna versão Maria, Domingos e José, nome da fábrica. Conforme progredia, com o apoio da mãe e de Domingos, desenvolvia seus projetos, mas nunca deixou de ser egoísta e prepotente, de humilhar os menos favorecidos e manter o horrível costume de instigar crianças a brigarem. Isto, entretanto, não o impedia de ser objeto de admiração.

Maria estava na venda e na cozinha. Eram contíguas. Domingos com a mesma participação e a dedicar-se aos negócios: comprava produtos agrícolas - algodão, milho, arroz, café - e os vendia a grandes atacadistas. Do milho tirava a palha e, às mulheres trabalhadeiras, contratava para debulhar as espigas. Assim o produto era enviado ao mercado. A palha o Zé a trabalhava para confeccionar os chapéus.

O casal recebia os fregueses das fazendas nos finais de semana. Assim proveram os estudos do filho/enteado na Escola Profissional e custeavam a casa. O Zé, jovem, namorava Lucila, filha de freguês do empório e dono do bar em frente à Estação, onde acontecia o “foot” dominical. O trem chegava, todos corriam para a Estação; o trem partia, todos seguiam o exemplo, a rua se esvaziava e a segunda-feira ia ficando mais próxima, a semana útil começaria no dia seguinte.

Lucila e a mãe eram costureiras. Com os tecidos de palha, provindos de teares humanos, e cortes precisos do Zé, davam forma a chapéus moldados nas cabeças esculpidas na madeira, por arte e engenho do Zé. Constituiu, assim, a única fábrica do distrito: “Maria, Domingos & José”. Zé e Lucila ficaram noivos, marcaram casamento. Haviam de ter onde morar e constituir família.

O Cristiano tinha casa com bom terreno: produzia mudas de café. Resolveu ir morar na cidade, perto dos filhos. Vendeu-a. Domingos e Maria, compradores, deram-na ao filho, único industrial do distrito, orgulho de todos. Cristiano se foi, os filhos o receberam, o Zé ganhou a casa, no quintal construiu a fábrica, se estabeleceu, casou com Lucila e na casa passaram a residir; o distrito ganhou a fábrica de chapéus, o Ivan, filho de família fundadora do lugar, ganhou o emprego de vendedor de chapéus e, a bordo do trem, saía toda segunda-feira a vender, vender e retornava as sextas-feiras. As duas irmãs de Lucila e outras duas moças ganharam emprego. Em contrapartida, os cafeicultores perderam o preparador de mudas, as crianças que brigaram fizeram-se inimigas e o Moisés balaieiro, viu desaparecer seu costumeiro comprador dos balainhos que produzia, onde germinavam as sementes de café. A cafeicultura foi prejudicada.

Na vida se perde e se ganha. Quem trabalha e muito se esforça, recebe a recompensa. O contrário também ocorre. Nem sempre nos termos desejados. Mas acontece. É só observar, esperar e ver. O tempo é remédio para todos os males e estímulo a tudo que é bom. Se não curar ameniza, se não amenizar faz conformar-se, se não se conformar, a dor o fará esquecer. Afinal é a vida, o espaço temporal entre o nascimento e a morte. Com o Zé, embora personagem? Lendário? Foi assim. A última vez que o vi encontrava-se sob um guarda-sol, sentado a uma pequena mesa, numa feira agrícola, vendendo mangas. Esforçado, procurava ganhar a vida, ou foi o que dela lhe restou?

ANTÔNIO COLETTO
Enviado por ANTÔNIO COLETTO em 07/02/2020
Código do texto: T6860786
Classificação de conteúdo: seguro