EU VIVO COM PRESSA.

Não vou dizer que não tinha percebido. Mas ontem, tive que cair na real.

Realmente, eu ando com uma certa urgência "urgentíssima", no meu fazer. Uma urgência que se esparrama pelo meu ser, pela expressão facial, pela mímica contraída, pela impaciência, que nasce no íntimo, mas se revela no corre-corre. O corre- corre é a ponta do iceberg gelado, o interior é a chaleira de água fervente.

Essa urgência é feita de pressa, e a pressa é inimiga da perfeição, já dizia minha avó.

É feita de uma tensão exagerada nas mãos, até quando escovo os dentes: a gengiva sangra.

É feita de um coração atleta, que a cada dia dispara mais, sem nenhum motivo aparente: um simples toque de telefone e ele foge, assustado, com medo.

É feita de mão incerta, trêmula, desordenada: quando vou separar a clara da gema do ôvo, a gema cai no chão e o ambiente fede.

É feita de várias panelas ao fogo;uma delas acaba por queimar.

É feita de um telefone preso no ombro, de pernas que sobem e descem escadas, de olhos que lêem, enquanto falo.

É feita de multas por excesso de velocidade.

É feita de querer responder todos os e-mails, todos os recados do orkut, todos os telefonemas, ao mesmo tempo.

É feita de um sentir-se responsável por todos os sentimentos que cativei naqueles que me acham "uma pessoa tão legal!"

É feita de esquecimentos involuntários: o corpo não acompanha a mente que move e se adianta na velocidade do som.

É feita de querer conversar e ler ao mesmo tempo: enquanto o outro fala, eu respondo, mas também leio. Consigo ler sem ser lida.

É feita de tantas coisas...

Estou sempre querendo chegar "lá". Mas quando chego "lá", o "lá "se torna aqui. Certa vez li essa expressão em algum lugar, que, agora, se encaixa feito luva em mim.

Há um vulcão em erupção e as larvas estão descendo, atravessando e percorrendo o território, com hora marcada para chegar. E nunca chegam.

Sei que existe terapia para isso, mas não quero fazer terapia. Sei que o terapeuta vai me dizer para exercitar o "aqui e o agora." Mas eu quero ser a minha terapeuta. Quero aprender, ouvindo a voz da sabedoria que habita em mim e que já me pediu para des-acelerar.

Porque a voz de Deus fala. Ontem, a voz de Deus, falou pela boca da Nalva. Nalva é a Marinalva, aquela que virou crônica aqui no Recanto. Foi ela quem me disse:" Ana, porque você tem tanta pressa? Porque essa afobação toda? O dia está inteiro, mulher! Já faz tempo que te vejo se consumindo nessa "fazeção". Se economize...!" Foi aí que cai na real. Até Nalva viu, e "só Carolina não viu"?

Preciso me economizar. Preciso buscar a suavidade nos gestos, nas palavras, nas atitudes, aonde ela puder ser encontrada. Mas esses encontros devem acontecer dentro de mim. Não podem ser externos. Se marco um encontro com a tranquilidade, na paisagem de um rio, na calma de um campo, no deserto lunar, quando eu os deixar, e quando eles me deixarem, nos esqueceremos mutuamente. Por isso, tenho que buscar a calma no porão do navio, naquele lugar dentro de mim, onde, algum dia, a serenidade ficou e eu fui.

Viver com pressa é como habitar um planeta vazio onde tudo precisa ser criado. Onde tudo depende de nós. É como se os 7 dias da criação estivessem esperando a nossa ordem para trazerem todas as coisas à existência.

Viver com pressa é como querer entrar na possessão imediata de cada um dos nossos dias. É feita de muitas personagens mal resolvidas: quando estou fazendo alguma coisa, aqui, já estou fazendo a outra coisa lá. O resultado é que nada sai perfeito.

Viver com pressa é concluir logo esse texto porque outras pessoas, outras vozes, outros mundos, reclamam a minha presença e eu preciso estar aqui e estar lá, naquela "terra do nunca", naquele continente que se levanta com resplendor selvagem e me chama pelo nome, sem que nunca, jamais, eu saiba como alcançá-lo, sem que ele, algum dia, desista de querer me tomar.