MEMÓRIAS DE UM CAIPIRA URBANO

Amanheci meus onze anos numa linda manhã de primavera. Partimos ansiosos rumo ao táxi DKW fumacento, depois ao ônibus urbano, ao trem, e por fim à rodoviária, onde nos aguardava o busão com destino a incríveis emoções.

Dez horas depois chegamos ao sítio de meu tio. A visão de minha prima Gerusa fez brilharem os meus olhos.

Era um rosto lindo coroado por cabelos morenos lisos e doze anos bem providos, que inspiraram meus instintos mais sutis.

No dia seguinte, a bela Gerusa me levou para conhecer o sítio tomado pela florada de tulipas lilases. Caminhamos pela almofada de grama verde e paramos à beira de um “córguim” de águas cristalinas onde nos refrescamos sob o forte calor do sol. Girinos com brânquias expostas fugiam feito coriscos das brechas das mãos em concha de Gerusa. Ríamos a valer de tudo que se movia. Pássaros, borboletas e um boi. Minha anfitriã apontou ao longe a figura de Balu, pastando rente a uma cerca de madeira, próximo a alguns arbustos.

Para espanto de Gerusa levantei-me resoluto das águas do riacho e cheio de coragem caminhei para perto daquele brutamontes, que parou de mascar seu chiclete de folhas para me olhar mais atentamente. Valente, eu observava seus movimentos do outro lado da cerca com certa indiferença. Gerusa ria pelo fato de eu tripudiar o bicho. Ela sabia que Balu era um tipo de boi arisco e que não tolerava desaforo.

Ele fatalmente avançaria sobre mim caso não houvesse o limite dos esteios.

Gerusa me recomendou cautela, mas eu dei de ombros. A cerca era de madeira pintada de branco, e parecia que nada abalaria aquela blindagem que me protegia do animal. Eu, do lado de cá, ele do lado de lá. Ela, à distância, me via Caminhando emparelhado ao boi Balu. Me sentia um super homem imaculado.

Eu ria, Gerusa ria e o Balu babava, querendo me degustar como um belo tufo de grama fresca. A cada metro, eu me divertia mais e Balu menos.

De repente, a cerca que nos separava terminou em um trecho danificado e vi surgir diante de mim um Balu carrancudo sobre quatro patas turbinadas por músculos de aço. Gerusa arregalou os olhos e gritou: — Corra, senão o bicho te pega!

Todos os meus onze anos dispararam na velocidade da luz, seguido pelo arfante Balu. Nisso, uma árvore amiga surgiu e voei tronco acima feito um gato assustado. Gerusa surpreendeu-se ante o inusitado. Repentinamente, o boi voador estancou diante de uma uma fenda grande no gramado. Era a visão de um boi frustrado e um garoto borrado. Ela ria a plenos pulmões da hilária cena. Branco como um lençol, desci com as pernas bambas e só me acalmei depois de vê-lo distante, no infinito.

Por fim retornamos. A perseguição ao boi Balu por um capiau da cidade foi o "causo" da noite diante da fogueira, fazendo os presentes rolarem de tanto rir.

No dia seguinte, crente que minha sorte havia mudado tentei pujante montar a égua Fúria, que segundo Gerusa era mansa como um carneiro.

Antes não tivesse tentado. Subi de um lado e caí do outro, sob a barriga da criatura e em meio à gargalhada geral. Por sorte, o mico saiu barato; uma ralada no joelho e um galo na cabeça. Fim de viagem. Voltamos de busão até a rodoviária, ao trem, ao ônibus e ao “DKW” fumacento, ao lado de meus pais com sacolas e malas. Mas, com mico ou sem mico, não desisti de Gerusa, nem do banho no “córguim” de águas claras e seus girinos com brânquias expostas. O mico do Balu, que me “pesou as roupas” prefiro esquecer.

E o melhor caminho é enaltecer o perfume das tulipas lilases.