O TEMPLO DO SABER

Capítulo 20

O TEMPLO DO SABER

“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”...

Mário Quintana

“Linus: Eu nunca mais vou ter que ir à escola!

Lucy: Mas as férias de verão só duram 2 meses...

Linus: Para uma pessoa como eu, 2 meses é a eternidade!”

Escola. Olho hoje uma foto em preto e branco com calma, com nostalgia. As escadas modestas, o corrimão de madeira, a porta sem pintura, o piso enceradinho da varanda. Que saudade! Quadro-negro. Carteiras de madeira, com o tampo (era assim que chamavam), o lugar certinho para colocar a caneta, o tinteiro. O cheirinho da borracha de apagar nova, os lápis, as canetas. Porém, sou sincero. Eu não gostava de aulas, de ano letivo, de ficar confinado. Um tempinho para o recreio. A tarde se estendendo morna e longa. Não conseguia me adequar a esta rotina. Colégio. Estudos. Escreve com o lápis. Não pode acarcar (sic) muito o crayon, quebra. Não pode acarcar muito o lápis, fura a folha. Apaga com a borracha. “Cuidado, ficou um borrão”. Quando esquecia a borracha, molhava a ponta do dedão com saliva e passava na escrita a lápis. Logo, se formava uma mancha na folha e, após um momento, a folha ficava encardida e furava. Matemática. Desenho. Porta fechada. Tempo que se arrastava a não mais poder. Sim. Eu preferia estar com meu pai, de Jeep, viajando para Terra Boa, Maringá, Marialva, Terra Boa. Cruzando estradas, transpondo pontes e rios, sendo livre. A antítese: liberdade lá fora, versus a prisão, aqui dentro. Estudos. Eu lhes tinha aversão. Instintiva, boba, muito boba; precoce, desesperada aversão.

Que hora do lanche gostosa! Que amigos e colegas parelhos, apropriados para uma criança. Cadernos novinhos, encapados; borracha, lápis, compasso, a pastinha, ou seja, a bolsa escolar. Porém, alerta, alerta, minha mãe vinha comigo até a porta do colégio. Na verdade, só até o portão. Mal eu adentrava ao ambiente em si, lá ia ela. Eu? Eu ia ficar sozinho, com um magote de estranhos que muito pouco pertenciam à minha vida ou eu à deles. Sofria de uma espécie de inadaptação social aguda. Crianças – não lhes cobre lógica. Os dias se arrastaram, foram embora, não voltariam mais. Perdi a batalha. Não me adaptei plenamente ao Colégio das Irmãs.

Chegou o dia. Eu me despedi. Daquela cruz na parede, mostrando um homem torturado, olhos tristes, numa posição estranha, com esmalte vermelho, tingindo os pés e as mãos. Sem qualquer emoção. Os santinhos, os breviários, o crucifixo na parede, nunca jamais estes itens me despertaram qualquer tipo de devoção ou de admiração religiosa. Pareciam-me tacanhos, rudes, primitivos. Apesar que não era autoridade no assunto.

Desisti dos estudos (pelo menos da minha parte), achava eu, com a tenra idade de 7 a 8 anos. Dera um susto em minha mãe. Não aprendera a tabuada, não decolara rumo aos altos cimos do saber e das boas notas, nem mesmo da boa frequência às aulas. O horário, o espaço e as lições derrotaram-me no esforço de adquirir as primeiras letras. O horário: eu gostava de andar, correr, caçar (sem matar), pescar, eu gostava de liberdade. Na escola, entrava uma e meia, saía às cinco e meia. Muito tempo, muito tempo. O espaço: a tortura começava ao pôr o uniforme: meias, sapatos, camisa branca, calça azul marinho. Continuava quando a porta da classe se fechava. Eu olhava para todos os lados, só paredes, algumas poucas e insuficientes janelas. As lições, tabuadas, cálculos, história, geografia, matemática. Tratado de Tordesilhas. Espanha/Portugal. Império. Anhanguera. Os bandeirantes. Ah, matemática. Dividir, somar, subtrair, multiplicar. Cabeçalhos: Cianorte, 20 de abril de 1964. Colégio Educandário Nossa Senhora do Rosário. Nome: Jeferson Turbay Braga. Vamos lembrar que na tenra idade de 8 anos, me envolvi numa fuga solitária da sala de aula. Quase acabei com minha mãe, de susto. Ao fim do episódio, ficou uma pendência nunca saldada.

Eu gostava de estudar, e-s-t-u-d-a-r. Ler. Mas, meu Deus, não gostava de ficar longe de minha mãe, meus irmãos, meus primos, meus tios. De casa, no caso. Não gostava da escola, portanto. Não fui brindado com a incrível capacidade de entender que o tempo passado na escola apenas antecederia o horário em que eu voltaria para casa, para o lar, para a família.

Repetindo, eu gostava de estudar sim. Como esquecer a cartilha Caminho Suave?

Vogais:

a – abelha;

e – elefante;

i – igreja;

o – ôvo (sic);

À época, as paroxítonas terminadas em o ainda eram acentuadas – não são mais (ovo);

u – unha.

Consoantes:

C – cachorro.

“O cachorro bebe na cuia.

A cuia é de côco (sic).

M – Macaco.

“Como o macaco é feio!

Ele comeu a comida da Amélia.

A Amélia ficou amuada”. Kkkkk.

Havia casas com macacos naquela época. Estes macacos comiam a comida das Amélias. As Amélias, lógico, ficavam amuadas.

Dígrafos:

Telha.

lha,

lhe,

lhi,

lho,

lhu.

As letras sempre me fascinaram, os números nem um pouco. Já da escola, eu não gostava dela de arrasto, por afinidade absoluta e total com tudo que não pertencesse ao seu universo: matas, circo, cinema, matinês, rios, riachos, pomares, açudes, fazendas, sítios, chácaras, aventuras, pamonha, mexericas, laranjas; criação: porcos, cavalos, cabritos, galinhas, carroça, cavalgadas; brincadeiras: trinta e um, fazei tudo que o mestre mandar, pique, esconde-esconde, futebol na rua, béts, salto em altura, campinho, biblioquê (ou bilboquê – o da Fuganti (firma de gás), em forma de botijãozinho de gás, foi insuperável), passa anel, amarelinha, roda (“roda cutia, de noite e de dia, o galo cantou e a casa caiuuuuuu”)/(a menina que está na roda é uma gata espichada, tem a boca de jacaré e a saia remendada. Lá vem seu Juca-ca, da perna torta, dançando valsa-sa, com a Maricota), peteca, pião, batatinha frita, piorra, e por aí vai.

Tudo tem um tempo certo. Uma professora, mas professora mesmo, de verdade, um dia me ajudaria, me ajudaria muito, e eu adquiriria um amor invencível pelo estudo. Demoraria um pouco, mas tudo tem um tempo certo. Assunto para outro capítulo.

Jeferson Turbay
Enviado por Jeferson Turbay em 27/02/2020
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