Arte(sã)

Uma crônica que fala sobre as crônicas incompletas do meu “desktop”. Utilizo a propriedade da função metalinguística que me habilita enquanto profissional e falante da Língua Portuguesa: escrever uma crônica sobre tantas outras crônicas que jazem aqui.

Ideias em cheque. Fluxo lexical abundante.

Abro o notebook: redijo, apago, corrijo, desisto.

Há dias inspiradores... Há dias entediantes. E há dias como este, onde escrevo "sabe-deus-o-que" com o intuito de "resetar" a alma.

Produzo crônicas incompletas como a vida. Nascimento esperado, infância interrompida, adolescência acelerada, vida adulta cíclica, velhice monótona, morte temida. Sociologia, Filosofia, poesia, maresia (e não necessariamente sobre o que somente termina com “ia”) compõem o enredo dos tantos relatos esmiuçados no meu ateliê digital.

Tenho, além disso, algumas crônicas prontas como aquela lasanha da Sadia que vem pré-cozida e semipronta para ir ao forno, mas que a gente deixa no refrigerador para comer "sabe-deus-quando" com "sabe-deus-quem".

Pois é, cada um se alivia como pode. Não nasci com vocação e/ou paciência para o divã. Dilato minhas catarses e introspecções através do teclado e produzo meus enredos quase como quem respira - os brônquios literários agradecem.

Não escrevo por satisfação, unicamente. Escrevo por um turbilhão de “fellings” que me abarcam no trivial.

Observo as pessoas, as coisas, o tempo: disserto sobre suas histórias. Ouço músicas novas, comparo-as com as antigas, analiso as letras: escrevo sobre elas.

Escrevo até sobre o barulho chato que as dobradiças enferrujadas da porta do meu guarda-roupas fazem a cada vez que as movimento.

A liberdade dos gêneros me autoriza à autonomia narrativa e faço dela minha casa decorada.

Escrevo por alegria, assim como por descontentamento. Escrevo sóbria e ébria. Escrevo como se a vida dependesse disto.

E tenho todas essas crônicas guardadas aqui. Com personagens reais e verossímeis. Com os meus sentimentos ora expressos, ora ocultos e com essa vontade faceira de relatar tudo o que vejo à frente.

Mas ainda elaboro crônicas "incompletas". Vou jogando ali o que sinto, o que percebo, o que domino e abomino. Componho sem censuras e fabrico com a revolução instintiva de uma mente frenética.

Não preciso me afincar permanentemente ao ponto o final, uma vez que tenho a liberdade das reticências para circular nas entrelinhas de uma breve pausa reflexiva, entende?

Às vezes amarro o texto com o afinco de sete cordas e o finalizo com um belíssimo nó no estilo dos "escoteiros". Outras vezes, deixo linhas soltas e não me preocupo em alinhavar as bordas. E está tudo certo. Essa é a magia!

Sigo acumulando documentos de textos numa pasta secreta, notas no bloquinho do Smartphone, rascunhos perdidos no caderno pessoal e frases soltas em "post-its". Deixo um pouco de mim por onde passo, carrego um pouco dos que comigo cruzam o caminho e transformo datas em narrações, memórias em textos e sentimentos no devaneio das mais variadas personificações.

As histórias só terminam quando acabam, e no pleonasmo paradoxal da linguagem a meta da arte(sã) é deixar ser, conceber e tecer.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 29/02/2020
Reeditado em 29/02/2020
Código do texto: T6876804
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