E assim completo 23 anos de Rio de Janeiro

De repente, eu lembro de um março distante. Eu tinha vinte e dois pra vinte e três anos. E sonhava com um mundo muito novo bem na minha frente. De peito aberto peguei um ônibus e parti rumo ao Rio de Janeiro.

O vento nos cabelos anunciava a promessa de dias melhores. E no coração alguma canção de Belchior. Como ele mesmo disse, eu era mais um "jovem que desce do Norte pra Cidade Grande".

Desci e cheguei dois dias depois. Cheguei no aniversário da cidade, em primeiro de março de 1997 (no primeiro dia do mês mais lindo do mundo, afinal, é mês do meu aniversário). E, nossa, tanta coisa, tantas ondas rolaram. E eu lá, em um ap no Flamengo, escrevendo com a luz do hotel que entrava pela fresta da janela - sim, a luz havia sido cortada e só assim eu conseguia ter luz para escrever. Mas os poemas ainda me habitavam. E assim nasceu um livro que nunca lancei: Antes sol do que mal iluminado. Eu criava coisas pra me distrair e relaxar da ânsia de descobrir o mundo.

Confesso que demorei a me adaptar. O meu jeito introvertido só me empurrava pra dentro de mim cada vez mais. E logo aprendi sobre ser ridicularizado como nortista, como "estrangeiro" em uma terra de pessoas saradas, de côco na mão e cheiro de bronzeador no corpo. Um Rio de ilusões! E eu tentando compreender as estações de metrô.

Um dia, depois de meia noite, peguei um ônibus errado, porque estava sem óculos. Vi a cor vermelha e disse: "É esse". E, ao invés de ir para o Flamengo, fui para o Catumbi. Naquela noite fiz o papel do malandro, porque desci em um lugar bem escuro e que eu nem sabia onde era. Respirei e disse: "Calma, Raul, você é destemido". Encontrei um cara no meio do caminho, que vendia miçangas e que me orientou a seguir em frente até chegar em um ponto onde tinha ônibus para o Flamengo. Rezei 20 Pai Nossos e 35 Ave Marias. Deu tudo certo.

Outra vez, dormi no bus, pra variar depois da meia noite também, e passei do ponto. Desci assustado na Glória. Ali, no meio de um silêncio enorme, e quase ninguém na rua, e tudo grandioso, eu me senti um grão de areia no meio do abismo. "Será que suportarei tudo isso?', pensei.

Confesso: foi difícil me entender por aqui. Era muita saudade, muito medo, muita incerteza. Belém, Belém batia no meu coração como um tic tac assustador. Para seguir em frente, eu precisava odiar Belém, eu precisava não olhar pelo retrovisor.

Então, era eu sozinho. O soldado solitário no Rio de Janeiro. Soldado mesmo, porque foi o meu primeiro papel em uma peça de teatro em terras cariocas. Um soldadinho de chumbo, enfrentando tantas angústias.

Mas eu tinha o meu padrasto ao meu lado. Eu tinha fé em qualquer coisa. Eu tinha sede de conquistas. Eu tinha dois tênis para bater perna por aí.

-------= LONGO HIATO PARA O RESPIRO DE ANOS =--

Ou seja, depois de mil coisas, boas e ruins, eu me vejo sorrindo e feliz por ter resistido a tudo. E 23 anos se passaram. Passei 23 anos em Belém e agora estou há 23 anos no Rio. Sou um Parioca reconhecido por mim mesmo. E isso é tão simbólico. Como eu sonhava com esse momento!

E enquanto comemoro, penso na minha vó que partiu ontem. E também é parte da minha história, minha raiz. Ela não está mais aqui. O meu padrasto não está mais aqui. Meu amigo Augusto que foi o responsável por permitir que eu começasse aqui no Rio, não está mais. Outro grande amigo, o Douglas, que me salvava da minha solidão com cartinhas espertas que eram colocadas por debaixo da porta pelos porteiros, não está mais aqui. Mas eu continuo, com o mesmo peito aberto e a esperança renovada. Sendo grato por tudo. Por tudo que aconteceu e o que virá.

De novo, cito Belchior com a sua frase certeira com a qual me deparei no meu primeiro ano do Rio: "Amar e mudar as coisas me interessa mais". E é isso que continuo querendo. Que novas histórias venham.

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 02/03/2020
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