Diário de Bordo (Desabafo: Joana D'Arc das brenhas.)

Diário de Bordo (Desabafo: Joana D'Arc das brenhas.)

De repente, de supetão mesmo, dentro das características mais peculiares, resolvi pegar o ônibus em Itabuna e me despencar de mochila e cuia até a modorrenta e carinhosa cidade de Gongogi. Isto se deu numa manhã de segunda-feira, logo que deu seis horas o ônibus da Rota (a empresa de ônibus que atende às cidades da região Sul da Bahia) se pôs em movimento.

Sentei na minha poltrona e fui olhar algumas fotografias que havia feito na roça, lendo uma ou outra notícia, enquanto o veículo, um cabeça-quente ainda em bom estado de conservação, seguia bravamente pelas durasvestradas que cortam o percurso.

Inicialmente pegamos a BR 101, logo após alguns quilômetros estávamos em Itajuipe, uma cidade que chama a atenção pelos muitos lagos artificiais que a rodeiam. Passamos por Coaraci, (O mesmo que Guaracy) chegamos em Itaporanga, lugar em que a estrada asfaltada, mesmo em petição de miséria, termina bruscamente.

(...)

Foi aí, exatamente aonde o ônibus pegou a estrada de chão, toda esburacada, que eu comecei a ouvir uma fala em tom roufenho, parecendo emanada das catacumbas...

"Ele era meu marido, o pestilesto; aquele fiu de rapariga".

"Eu tirei o fiducabrunco da merda, com o perdão da má palavra, pois o desgraçado estava de dar dó; um mísera da moléstia dos cachorrros".

E por aí continuou o desabafo de nossa Perpétua dentro do ônibus, pra quem quisesse

"Eu disse pra dona Mocinha que ela é coiteira, treiteira e alcoviteira. Ela sabia que ele era casado comigo! E ela viu os dois desavergonhados saírem pra uma tal de pescaria, enquanto eu tava me tratando no hospital".

Pois bem, comadres e compadres. O São João ainda está bem longe; todavia, entre rugidos e bufidos, dona Perpétua, inflamada da irá dos profetas do deserto, cabelos desgrenhados e olhos injetados de sangue, bradou:

"Aquela prostituta talarica, rapariga pé no toco e mão no chão, sodomizou com o meu macho".

E arrematou, num quase orgasmo de possessão.

"Comigo, que sou uma serva temente de Deus, aquele fidapeste safado num vai fazer desses descaramentos nunca".

(...)

Este escrevinhador sertanejo, que ora vos relata esse tropel verborrágico, ficou bem quietinho, ouvindo com rematado prazer o desabafo de nossa Joana D'Arc das brenhas. Foi um verdadeiro must, um ápice de refinamento auditivo, ser presenteado com a expressão "Prostituta Talarica", a qual nunca antes havia eu sido apresentado.

"Pé no toco e mão no chão", então, foi um primor.

Deixemos de digressões e voltemos ao fervor de nossa fulgurante Perpétua, pois a Quaresma já está apitando na esquina.

Uma das vizinhas de cadeira de nossa musa vingativa lhe pergunta...

"Mas comadre, tu ainda queres esse traste, esse gabiru xexelento"?

Mais rápida do Django no gatilho, Perpétua soltou a sua rajada de dores e amores...

Mas é claro que eu quero aquele piolhento de volta, comadre Zefinha"!

E arrancando o lenço que lhe protegia a grenha, como se desse chjcotadas imaginárias, bramiu.

"E a comadre Mocinha, aquela coiteira descarada, mais aquela prostituta talarica, que se cuidem. Eu tô com os panacuns tão carregados de braveza que sou capaz de comer o fígado dessas duas ragatangas no café da manhã"!

Mizifios de mi vida, garanto que só não aplaudi de pé, com gritos e assobios, pra evitar um tumulto ainda maior dentro da sacrossanta nave que nos conduzia. Contudo, me aproximei como quem não quer nada, e perguntei para a beata sanhuda o que era uma prostituta talarica...

"Oi, seu menino, as putas fazem o trabalho delas, a esperar os homens que as procuram. Disso eu não reclamo não, visse"?

"Porém, a puta talarica é aquela que vem tomar, atacar, o macho dos outros".

(...)

Mistério desvendado, o ônibus finalmente adentrou a cidade de Gongogi. E eu desci desci dele mais enriquecido do colorido vocabulário nordestino.

Terras da Bahia de todos os orixás, final de tarde de Quinta-feira, início de Março de 2020.

João Bosco

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Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 05/03/2020
Reeditado em 06/03/2020
Código do texto: T6881144
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