A Língua das mães

Certo dia, em certa festa, estava eu degustando mais um gole de uma cerveja nem tão gelada. Meus companheiros haviam se afastado de mim – na festa – por causa do som que decidi colocar para embalar a reunião. Era um churrasco.

Bem familiar a festança seguia. Rodeando todos ali presentes crianças corriam, riam e gritavam. Às vezes as três coisas ao mesmo tempo. Sentado ali, ouvindo Cordel do Fogo Encantado, minha imaginação seguia tropeçando entre um grito e outro das crianças. Meu olhar fitava longe, mas eu não podia perder as crianças de vista. Elas estavam munidas de armas e muita disposição infantil. Uma bola, carros, bonecos e muita empolgação.

Alguns momentos depois que coloquei a música algo estranho aconteceu. A aparente harmonia entre os guris se extinguiu tão rápido quanto meu pensamento. Até hoje não sei pra onde ele foi. Enfim, de repente alguns dos meninos gritavam incentivos, outros gritavam “parem”, e outros, acredito, gritavam apenas por gritar. Uma violenta briga começara. Sem por quês aparentes, a peleja era formada por dois meninos e uma menina.

Tão rápido como começou ela terminou. No campo de batalha restaram armas do embate: um boneco envolto em músculos - ou vice-versa - e alguns carrinhos de tamanho assustador. Alguém poderia ter morrido. Também restou o motivo, suponho eu, para o início da batalha: a bola.

Bom, o ponto que queria levantar vem a seguir. De dentro das dependências da casa saíram como flechas as respectivas mães dos infantes. Meliantes. Alcançando cada uma seu primogênito começaram um diálogo que me espantou. E me inspirou a produzir este texto.

Como mães pingüins, que retornando da caça, procuram por seus filhotes em meio a uma multidão de outros pingüins elas chegaram. Niguém sabe como as mães – pingüins – conseguem distinguir em meio a milhares de sons o som emitido por seu parceiro e seu filhote. Foi assim que me senti naquele momento.

Cada uma das crianças falava uma língua. O trio "chorava em voz alta”, e cada um contava sua versão numa nova língua para sua respectiva genitora. Elas, por sua vez, entendiam nos mínimos detalhes cada palavra. Era um outro idioma! É um outro idioma! O Choronês. Talvez seja esta a língua secreta com que as mães se comunicam com os filhos. Depois do nascimento, secretamente, uma mãe passa a outra o legado, o aprendizado dessa linguagem que pode ser milenar! Uma sociedade secreta.

Indago eu se os pais também são conhecedores de tal linguagem. Quero aprendê-la! Pois até o presente momento, não sei qual dos moleques foi culpado pelo acontecido. Entre as mães uma secreta negociação aconteceu. Foram alguns olhares. Algumas balançadas de meninos pelos braços e curtas frases ditas ao pé do ouvido. De repente estava tudo novo de novo, gritos, correria, risadas, meu som, meu pensamento distante.

Até hoje ainda penso sobre a sociedade secreta do choronês. É um bom tema para se escrever, uma pontada que surgiu de repente. Mas depois de algum tempo, penso ter matado a charada. Do fundo do coração espero que seja sim um legado secreto passado entre as mães. Contudo, tenho quase certeza, era simplesmente amor de mãe.