A SAPECADA



                (pequenas  crônicas  do  cotidiano)


Quando julho chegava com ares gelados, cadernos e livros ficavam no esquecimento.
Eram as tão esperadas férias de julho.
Os ciriris gorjeavam animados, a antiga olaria urrava um apito devastador avisando de que um novo dia estava raiando.
A estrada de chão , que denominávamos com orgulho de Rua do Fomento, rescendia a café recém coado e as janelinhas ,fechadas ainda, nem percebiam o burburinho de gente a caminho do trabalho.
Como que fora uma senha, os assobios iam reunindo aos poucos a piazada de minha rua e numa espécie de assembléia, teciam-se planos para o dia que começava.
Pinçei para minhas lembranças, um dia de “sapecada”.


O vale tremia de frio. O dia amanhecera sob o efeito de uma forte geada.
Na primeira esquina, já éramos mais de cinco figuras dispostas a encarar o branco lençol que estendia-se pela campina.
O sol erguia-se numa lerdeza sobre o arvoredo e vapores buscavam o anilado do céu.
Ao longo da cerca aramada o trabalho de uma noite inteira das aranhas, pendurava-se feito toalhinhas de um crochê muito delicado e na campina crespa de gelo nossos pés cerziam o vigoroso tule do inverno.
O caminho era longo e as araucárias postavam-se todas , proximas a um riacho onde acabava-se o campo e principiava-se a mata de nossas infâncias.
Quase enrijecidos, venciamos naquele dia o trecho de campo e agora a tão sonhada festa estava prestes a começar.
Pinhões em abundância despencaram pela noite durante a "desfalhada".
As esquipes se revezavam. Ora colhendo grimpas, ora catando pinhões...
Algazarra, cantoria, expectativas...Nas caras geladas, narigões arroxeados pelo frio, lembravam cebolas miúdas.
Sem demora, um amontoado de grimpas, permeado de bom volume de pinhões, estava à disposição.
Tentara-se atear fogo. Tarefa complicada.As grimpas, umedecidas pelo sereno da noite,resistiam aos assédios dos palitos de fósforos.
[ Palavrões soavam pela mata ]
De repente, surgindo do bolso de alguém, um pequeno pedaço de papel é a salvação d a lavoura.
(Nem se dão conta tratar-se de um bilhete importante a ser entregue num endereço de parentes)
A causa era nobre !
Soprava-se daqui, soprava-se dali e as grimpas - molhadas ainda -, acabam rendendo-se à persistência da piazada.
Euforia geral ! Ardiam as labaredas, estalavam os pinhões embutidos ao meio, um cheiro delicioso acompanhava a fumaça que erguia-se ao céu.
As mãos geladas estendiam-se em direção à fogueira e o calor do fogo aquecia bem mais que as mãos. Selava amizades no entorno do braseiro.
Depois a partilha, a animação, os risos e algazarra, agora sob um sol tépido da estação.
O caminho de volta feito pela mata, regado a araticuns e caquis colhidos direto nos pés em pomares de casas desabitadas.
Já em casa, odores de almoço vazantes pelas janelas , soavam feito complementos de manhãs inesquecíveis de frio, de gelo, de férias e liberdade.
Ao longo da rua do Fomento, sob pessegueiros despidos, canteiros dormentes sonhavam as cores que lhes pintariam setembros.
Éramos felizes e sabiámos !

                joelgomesteixeira@hotmail.com


                      



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