Presença do Azarias

Entre as memórias da querida terra natal, nos tempos da infância que passei no início da década de 1960, ainda está a presença marcante do Azarias. Naquele tempo, ele participava da vibrante alma coletiva da cidade, conhecido por todos os moradores de São Sebastião do Paraíso, polo regional do sudoeste mineiro. Morava num casebre herdado de seus pais, numa estrada de terra batida que contornava a cidade, com paredes de tijolos expostos, sem reboco, coberto com folhas de zinco. Passava parte do tempo distante do vibrante centro comercial do rico polo cafeeiro, e tão perto de uma generosa comunidade de pessoas igualmente simples, que lhe socorria nos piores dias.

Não aparentava ser um homem velho, mas tinha o corpo alquebrado pelos anos, o rosto marcado por rugas, diante do infortúnio desafio de superar as dificuldades materiais de cada dia. Mesmo assim, quase sempre, estava alegre, salvo alguns dias mais difíceis em que a dor da alma e da existência solitária transpunha a pele. De linguagem simples tinha uma forma especial de expressar seus sentimentos. Nos dias mais alegres, tocava alguns velhos instrumentos musicais. Percorria as ruas centrais da cidade empurrando um carrinho de madeira, com duas rodas, tipo carrocinha.

Dentro do pequeno carrinho de madeira trazia seus instrumentos de lazer e de trabalho: uma violinha, quase de brinquedo, uma velha corneta que lhe parecia reluzente e uma sanfoninha. Coisas tão simples que ainda existem em memória. Depois de 60 anos, reflito em minha consciência, tentando entender que travessia era aquela com a qual o Azarias atravessou seus dias. Na parte visível de nossas fracas relações sociais, parecia que ele aceitava, de bom grado, algum lanche ou moeda dados pelos seus conterrâneos como recompensa pela apresentação de sua arte tão simples e humana.

A respeito de sua trajetória no coração da cidade de São Sebastião do Paraíso, o músico e acadêmico Messias Grillo escreveu os seguintes versos: “Seu carrinho de mão ia rodando / A sanfoninha soprando melodias / A tocar um violão de quando em quando / Foi feliz, bem feliz, o Azarias.” Por certo, estava em harmonia com a encantadora e desafiante alma das ruas da cidade tão rica, por um lado, e tão dolorosa, por outro, como é toda comunidade, diante do misterioso caminho singular da existência humana.