Diário de Bordo (Covid-19, sanidade mental e manga rosa.)

Diário de Bordo (Covid-19, sanidade mental e manga rosa.)

Cheguei de volta a Cururupitanga na sexta-feira logo às primeiras da manhã, com o claro objetivo de colocar uma boa distância entre mim e essa histeria que ameaça nos amortalhar a todos. De jeito nenhum estou aqui minimizando os efeitos dessa pandemia de agora, mais uma que nos atinge, apenas coloco resguardo no fato de que não devemos sucumbir ao medo irracional da Morte, ficando presos ao ritmo fúnebre do noticiário, que pouco a pouco vai nos aterrorizando e minando o que nos resta de sanidade mental, reduzindo a pó a nossa vontade de viver.

O freio de arrumação que se estabeleceu pelo apelo ao isolamento e consequente redução da atividade econômica, excetuando -se os setores de alimentação e suplementos de saúde e higiene, vem trazendo para uma grande parcela da população um misto de incerteza e medo, sensações que ficam pregadas no rosto das pessoas como aqueles outdoors a oferecer o produto da hora. Poucos sabem como fazer para ultrapassar esses tempos magros, notadamente quem não tem emprego ou ativo da fixa e rentável, e vive no furacão da informalidade.

Os muitos livros que li não me prepararam para uma vivência tão absurda quanto esta de agora, e que pelo andar das coisas, dará o tom de nossos anos vindouros.

Pois bem.

Retomo aqui o tom usado em meu diário de bordo, pois uma multidão de pássaros canta diante de mim e o verde da vegetação suaviza a cor ciza da aspereza da vida.

Ontem, assim que terminei as tarefas corriqueiras de todo inicio de dia, saí para comprar algumas coisas para minha prosaica dispensa, aproveitando para pegar a minha bike no Coruja, encomendar farinha de mandioca no Santo, recarregar os power banks, e depois descer a ladeira do Tororomba para ir até o supermercado.

Deixei a minha bike guardada em Olivença e fui esperar o ônibus, intervalo que foi preenchido com narrativas apavoradas sobre medo de morrer, e uma insegurança beirando a estupefacção sobre como enfrentar a vida no cotidiano que ora se apresenta.

Nesse misto de filme de terror e marasmo cheguei ao Assaí, um grande atacadista montado aqui em Ilhéus, distando uns doze quilômetros desde a Cururupitanga. Recepção a caráter, com um segurança mascarado me avisando que iria medir a minha temperatura: os tempos de atletismo e as minhas pedaladas atuais me conferiram trinta e três graus, após o que entrei no mercado e fui pegar as minhas graciosas mangas rosa.

Uma chuva torrencial caiu sobre Olivença, após a qual eu e a minha rockrider subimos a escorregadia ladeira do Tororomba, lisa como quiabo, atravessamos a ponte de troncos sobre o Cururupe e chegamos em casa por volta das quatorze horas.

Uma agradável conversa sobre amores e desamores, reflexões sobre os efeitos sociais e comportamentais causados por esta e outras pandemias que já nos assolaram, (Influenza, tuberculose, aids...) veio fechar o meu dia, como se eu tivesse degustado um finíssimo licor de amoras, a me relembrar que a vida se faz de sonhos, os quais jamais devem se deixar derrotar por nenhum pesadelo, por mais aterrorizante que este se nos afigure.

Confesso, ladies and gentlemen: sou um incoorigivel amante do sabor agridoce da manga rosa. E garanto que não há pandemia nenhuma capaz de me retirar o prazer de devorar com gosto esta fruta tão sedutora.

Terras de Olivença, manhã de terça-feira, com o mês de Março ja embicando para o seu final.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 24/03/2020
Código do texto: T6895707
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