Don Quixote de la Brasília

Assistimos consternados, na noite de 24 de março de 2020, o pronunciamento de um ser arrogante e despreparado que, infelizmente, ocupa o lugar de chefe da nação brasileira. O discurso estarrecedor deixou o mundo perplexo diante da estupidez dos argumentos e da irresponsabilidade ao incitar a discórdia num momento crucial de união do país e da humanidade para salvar vidas.

As declarações estapafúrdias já são de conhecimento geral; todavia, fomos surpreendidos ao ver um ex-militar, o qual deveria demonstrar equilíbrio e sensatez, se comportando como um filhinho de papai que se irrita com tudo e com todos aqueles que não compartilham do seu autoritarismo arcaico e exacerbado, destilando desprezíveis chacotas e indiretas.

Tal comportamento faz lembrar a utopia e a loucura quixotesca. Só que na versão tupiniquim, tal ato alcançou uma dimensão impossível de ser suportada. A imprensa foi materializada no moinho, que, na referida obra, se transforma em dragão, o qual Don Quixote luta ensandecidamente e desnecessariamente. Só que a loucura de dom presidente ganha contornos horrendos, pois a ficção é um entretenimento ou um instrumento para reflexão e suposições, enquanto que a realidade destrói e mata. E para ampliar o caos, nosso anti-herói perturba a ordem transformando Lá Brasília em um feudo insano e sem direção aturdindo a todos com seus mandos e desmandos, pois pela manhã dá uma ordem, na tarde outra, pela noite uma terceira e no dia seguinte diz diz tudo que foi dito antes. Afinal de contas, ele é sempre o mal interpretado!

Aprofundando nossa comparação, assim como o personagem de ficção, existem apoiadores e aqueles contrários. Muitos argumentam que o Don ficcional era um visionário, precursor das grandes ideias, e assim, por correlação, o don presidente é um homem firme e de moral impecável que está resgatando as famílias e extirpando as mazelas. Na contracorrente, muitos estudiosos e admiradores da boa leitura afirmam que o verdadeiro Don era sonhador, ingênuo e um pouco louco, sendo o episódio do moinho e a utópica paixão por Dulcineia algumas provas dos seus delírios. Já em La Brasília, nosso dondonzinho mostra um comportamento bipolar nas falas e postagens desmedidas e dementes, aliadas ao desrespeito a profissionais das mais variadas categorias, atestando, sem dúvidas, que estamos sendo conduzidos por um telhudo rumo ao caudaloso precipício.

É óbvio que sem dinheiro não se compra comida, remédios ou produtos de limpeza, que empregos serão perdidos e empresas quebrarão – único pensamento sensato do discurso –, mas será que o dinheiro é mais importante do que uma vida? Na dúvida, pergunte àqueles que perderam um pai, uma mãe, os avós ou mesmo amigos queridos. Economias podem ser restauradas, empresas podem ser reerguidas ou serem abertas, empregos podem ser criados e empregados podem ser realocados. Porém, uma vida não tem preço e quando é perdida, não há como voltar atrás nem posar de menininho rabugentinho dando patadas para todos os lados vociferando sandices. A vida é o bem mais precioso que existe. O resto tem preço e se conserta.