A curva

Passei grande parte da minha vida evitando qualquer coisa remetente ao meu futuro. Vivi anos de ouro na infância, quando o choro era intenso, mas as gargalhadas eram mais e no fim do dia o sono era pesado, afinal o dia era sempre muito agitado, eu brincava, imaginava uma porção de coisas e amava criar milhões de histórias, como aquela vez que eu inventei que era filha de um ninja e descendente de japoneses, convenci uma amiguinha da escola, ponto para mim.

A pré-adolescência foi precária, o choro preso na garganta e o problema se iniciava lá, a habilidade para desenvolver histórias me transformou em uma máquina de mentiras, tanto para me encaixar, quanto para me esconder. Camadas e mais camadas de culpa sobre os meus ombros, associados com uma pressão absurda do mundo, resultaram em uma pré-adolescente com princípios amargos e um coração tão rígido quanto uma pedra, foi aí que o primeiro poema surgiu, tão pesaroso e inexperiente que permaneceu guardado no fundo da memória desta que vos fala.

Na adolescência, passei por turbulências, assim como qualquer adolescente que se preza. As decepções amorosas vieram, as questões só aumentavam e a loucura estava instalada, vivendo tudo com muita intensidade, a mudança na personalidade tão mentirosa e ambígua se deu depois da minha primeira grande queda, metafórica é claro. Decepcionei a todos que conhecia e me decepcionei, naquele tempo chorei todas as lágrimas que havia segurado durante a pré-adolescência e jurei em meus âmago que não derramaria mais nenhuma lágrima, estava equivocada.

Mais para a frente, passei a me comportar de forma mais apática, fiz grandes amigos e até que estava tentando me entender com a família, embora estivesse cada vez mais escondida em minha própria caverna, nessa época algumas histórias surgiram e meus poucos amigos elogiaram aquela escrita ainda engessada, em dado momento comecei a me comportar de forma semelhante à criança de outrora, que esperneava e tinha picos de raiva tão fortes que afastava todos que tentavam alguma aproximação, pobre adolescente. Foi aí que a segunda grande queda aconteceu, com o fim da escola, os vestibulares, os amigos seguindo seus caminhos, os meus pais mais difíceis do que nunca e a cabeça cada vez mais conflituosa, eu caí em uma melancolia tão profunda e tão densa que não me via capaz de passar um dia inteiro sem chorar, fui muito infeliz e à partir disso a minha forma de escrever mudou completamente.

A parte da juventude começou difícil e têm se mantido dessa forma, não tenho mais vergonha de chorar e faço isso com frequência, mas os dias se passam e eu fico mais ansiosa, ansiosa pelo que está por vir, sei muito sobre o passado e já vivi tudo mil vezes, mas e o futuro? Antes não era uma prioridade pensar nele, porém agora é algo que me tira o sono. Certo dia li um livro que me abriu os olhos para uma reflexão sobre o futuro, ele é como uma estrada com curvas, você vai seguindo, mas não sabe exatamente o que esperar depois daquela curva, pode ser um bosque ou um penhasco, pode ser doce ou azedo e a ânsia de saber o que acontece é o mais prazeroso. Estou em uma curva estreita, o que será que me espera? 

As muitas versões de mim estão agitadas agora, buscando lidar com as frequentes mudanças dessa fase áspera que estou vivendo, a vida passa e continuo escrevendo, escrevendo e escrevendo, deixando por aí pedacinhos de mim em forma de textos, fragmentos literários que possuem a minha alma e as letras são como desenhos cuidadosamente colocados juntos para dar sentido ao que eu chamo de existência.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 02/04/2020
Código do texto: T6904387
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