Inimigo voador

O farfalhar das asas ao vento torpe me irrita. O belo pássaro me desafia, voando livre no céu, fazendo uns oitos, uns zigue-zagues e até mesmo investindo contra a minha integridade física...crápula!

Continuo andando pesado sob o fardo sem medida de minhas obrigações, e ele lá, voando sobre a minha pequena humanidade, zombando das minhas inúmeras prisões. Minhas algemas são de papel, de couro, de ouro, de mente e de pessoas. Mas ele, o alígero gozador, rodopia gracioso e agora pousa num poste e, lá de cima, mira a tensão do meu rosto...sinto-me humilhado.

Nessa hora, desejo retirar da minha maleta uma baladeira e fazer, da mesma maneira de quando era criança, uma maldade grande, apanhar uma pedra, armar a arma letal e acertar aquele infame pedantismo que me constrange.

Sigo o rumo e quando me acerco do madeiro no qual repousa o meu algoz, sinto uma massa morna chocar-se contra a minha cabeça com uma força pontual. O infeliz quis marcar para sempre sua presença em minha vida, e assim o fez. Excretas lançadas, como bomba terrorista, em meu corpo tenso, resumiram minha integridade, minha humanidade a lixo.

Levanto minha vista em busca do inimigo e ele já pairava leve, realizado, jocoso. Voou ao encontro dos outros e se foi, livre e desinteressado, deixando-me humilhado e frustrado diante da vida obrigada que ainda devo ter pela frente.