A Lua, o Grilo e Eu

Agora a noite, na ausência do que fazer, busquei ir até a varanda tomar um ar fresco, agora ainda mais puro, visto que a poluição se recolheu e a natureza de novo ascendeu. Sentei em uma cadeira, reclinei a cabeça como alguém que deseja desobstruir as vias aéreas de algum indivíduo, coloquei os pés para o alto apoiados em uma muretinha e contemplei o céu mais limpo, algumas estrelas, um avião e a famigerada lua que traiu a cantora Joelma.

Durante alguns segundos de contemplação, ouvi o distante barulho de um grilo: som este que já não ouvia pelas redondezas há anos. Ah, como gostei de ouví-lo! Seu barulho foi como Mozart para os meus ouvidos. Me fez até recordar os tempos de escola, quando alguém fazia uma pergunta e não obtinha uma resposta ou falava sozinho e nós caçoávamos imitando o som de um grilo. Foi aí que tudo fez o maior sentido.

Acabei observando que assim como na ausência de resposta ou reação nós caçoávamos de um indivíduo imitando um grilo, o grilo só se manifesta na ausência de pessoas e de suas reações pitorescas, como atirar lixo no chão e poluir sonoramente o ambiente. Ou seja, o grilo gosta de silêncio e de solidão.

Após essa observação, constatei que possivelmente sou metade grilo e metade humano, pois metade de mim gosta de silêncio e a outra metade gosta de dar vácuo nas pessoas no Whatsapp e debochar de algumas situações, tal como fazia na infância ao imitar um grilo. Ok. Eu sei o que você está pensando. De fato eu poderia ter terminado essa crônica de uma forma fofa, dizendo que metade de mim gosta de silêncio e a outra metade do calor humano. Até concordo. Mas eu não gosto de calor e "calor humano" me lembra ônibus lotado, ou seja, dispenso. Agora, porém, se for de abraços, até queria, pois pouco depois enquanto admirava a lua, meu pai ligou dizendo que falava comigo enquanto também observava a lua, e naquele instante, mesmo distantes, senti-me preenchido por um carinho tão grande, mais tão grande, que o som do grilo não foi capaz de se propagar.

(02/04/2020)

#BoaNoite

Leonardo Salomon
Enviado por Leonardo Salomon em 02/04/2020
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