A ÉTICA EVANGÉLICA E O ESPÍRITO DO BOLSONARISMO

Embora Jesus tenha prometido a Pedro as chaves do Reino do Céu, líderes evangélicos do Brasil querem mesmo é as que abrem os tronos da Terra.

Claudinho Chandelli

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É natural que as pessoas comuns, pelo nível e qualidade de sua escolaridade, entre outros fatores, vejam com entusiasmo o presidente da República convocar a nação para “orar e jejuar contra os que o perseguem e a favor do Brasil”.

Isso é injustificável, no entanto, ao se tratar de pessoas com a escolaridade e posição de líderes religiosos do quilate de Malafaia, Feliciano e Damares, entre outros.

A Constituição Federal do Brasil, que é inspirada nos ideais iluministas e antropocentristas que moldaram a Revolução Francesa e outras revoluções burguesas ao redor do mundo, tem como um de seus principais pilares a absoluta SEPARAÇÃO [e não, como querem essas lideranças evangélicas, a UNIÃO] entre o Estado e a Igreja (CF/1988, Art. 19, Inciso I). Isso significa, entre outras coisas, que:

 o Estado e seus representantes não podem promover cultos nem fazer santas convocações de oração e jejum;

 a Igreja, e seus membros quando a serviço do Estado, não pode transformar seus dogmas em normas e/ou políticas do Estado, como quer, por exemplo, a ministra Damares Alves e a maioria absoluta da bancada evangélica.

Ainda nesse particular, é pertinente lembrar que, tanto ao comemorar a vitória nas eleições quanto ao tomar posse, o presidente jurou ser um escravo da, cumprir e fazer cumprir a Constituição Federal, não a Bíblia ou qualquer outro oráculo sagrado – isso nada tem a ver com comunismo, ateísmo, satanismo ou outro “ismo” qualquer. Isso é tão somente a efetivação do Estado Democrático de Direito e laico.

Malafaia, Feliciano, Magno Malta, RR Soares, Macedo, Damares e a bancada evangélica, em sua maioria, sabem de tudo isso. Mas sabem também que, desde que o mundo é mundo, nunca existiu [e provavelmente jamais haverá], outro instrumento, conquanto perigosíssimo, tão eficaz quanto a religião para manipular pessoas, acariciar egos frustrados e, por fim, conquistar e manter o poder com o mínimo de oposição possível.

Diferentemente do que acontece através da Política ou da Polícia, na Religião, a servidão não é por imposição, e sim por vocação, devoção ou espontaneidade – é, como diria Étienne de La Boétie, a “servidão voluntária”.

Os arquitetos do bolsonarismo sabem que, conquanto perigoso, esse é o tipo de servidão mais segura, barata e eficaz. “Por isso”, ponderam, “vale a pena os riscos”.

Esses iluminados têm consciência de que com todo o esforço, invocações e imprecações, robôs virtuais, fake news... o máximo que conseguiram foi pouco mais de 1/3 do eleitorado apto a votar. A cassação de Dilma não convenceu; a prisão de Lula não convenceu; o jejum daquele conhecido procurador daquela conhecida operação não convenceu; a Lei do Teto dos Gastos Públicos não convenceu; a Reforma Trabalhista não convenceu; kit gay não convenceu, Reforma da Previdência não convenceu; a nomeação de Moro (como ministro) e o consequente desmonte da Lava Jato não convenceram; a demonização da Imprensa, da Cultura, da esquerda, do “centrão”... a negação da História, as ameaças à Venezuela, a busca de apoio verdadeiramente popular para fechamento do Congresso e do STF e, por último, a contestação do resto do mundo e dos principais ministros do Governo, na tentativa de ganhar apoio da plebe durante a pandemia da covid-19... nada disso convenceu. “Então”, concluem: “é hora da cartada final: vamos apelar pro sobrenatural”.

“Mas o que esse pessoal, juntamente com o presidente, tem feito, especialmente nos campos da ética e da moral, é um absurdo. Como ainda podem acreditar serem capazes de convencer alguém com tanta hipocrisia e desfaçatez?”, você deve está se indagando.

Nesse particular, prefiro calar por enquanto. Deixo que David Hume (2005, 120-1) lhe segrede uma coisa: “Quanto mais monstruosa é a imagem da divindade, mais os homens se tornam seus servidores dóceis e submissos, e quanto mais extravagantes são as provas que ela exige para nos conceder sua graça, mais necessário se faz que abandonemos nossa razão natural e nos entreguemos à condução e direção espiritual dos sacerdotes”.

Embora Jesus tenha prometido ao primeiro líder cristão (Pedro) as chaves do Reino do Céu, os líderes evangélicos do Brasil, em regra, querem, primeiro, as chaves (e o trono, a autoridade e, principalmente, as finanças) é do reino aqui da Terra mesmo. E eles sabem que isso não será conseguido de outra forma senão por meio do poder político.

Mesmo tornando-me prolixo, preciso ressaltar dois pontos que considero relevantes e para os quais não se tem dado a devida importância: 1) a ministra da Família (o que é, em si, uma incongruência, uma vez que Família é assunto da esfera privada, não do Estado) já declarou que “não é a Política que vai mudar essa nação, é a Igreja”; e que “é o momento da Igreja ocupar a nação”; e 2), depois de mais de sete anos de debate e sob fortes pressões da bancada evangélica, por apenas um voto de diferença, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2017, que Estados e Municípios podem decidir que tipo de confissão religiosa pode ser obrigatoriamente ofertada em suas redes de Educação até o 7º ano do ensino fundamental.

Você consegue mensurar o que esses dois destaques representam para as pretensões de quem, há décadas, sonha com um Brasil Evangélico; ou seja, com o Estado oficialmente sob o controle desse segmento religioso?

Consegue hipotetizar o destino dos opositores desse possível Teorregime?