CADEIRAS NA CALÇADA

A pior coisa que se pode fazer a um domingo é rever fotos antigas. Tive essa experiência ontem, por isso trago esse conselho. Não que tenha alguma valia, mas agora já está escrito. Não sei quem teve essa ideia de aprisionar o momento em um papel, mas foi, sem dúvidas, um gênio cruel e amoroso.

Pelo menos isso está para acabar, não se revelam mais fotografias como antigamente e vê-las na tela de um aparelho frio é como ir a um velório de um desconhecido. A vida tem dessas sutilezas, faz com que nos lembremos do passado melhor do que realmente foi. Acho que é uma forma poética de pensarmos que um dia fomos completamente felizes e amenizar as frustrações de nosso presente.

Ainda assim, penso que havia mais tempo para sermos nós mesmos, sem a preocupação de mostrar aos outros o quanto estamos maravilhosamente contentes e satisfeitos. Falo dessa sociedade do espetáculo em que vivemos, sem saudosismo, é claro. Mario Quintana, em um delicado e verdadeiro poema, fala de um “tempo de cadeiras na calçada”. Hoje isso é cada vez mais raro, sobretudo nas grandes cidades, mas houve um tempo em que o bate-papo era real e que a tarde de domingo demorava agradavelmente mais.

Hoje precisamos de aplicativos e mentiras para recuperar esse tempo, ou o prazer a ele associado. A violência, o ritmo alucinante e as demandas atuais (e virtuais) nos impedem de fazer essas coisas tão boas e banais. As nossas velhas fotografias só nos revelam aquilo que já sabemos, o tempo é implacável.

Se não podemos mais colocar cadeiras na calçada, que ao menos, possamos viver de uma forma mais verdadeira e que tanta rotina não nos esmague! Percebo amigos meus que de tão conectados, perderam a conexão com a realidade. Li, outro dia, que um adolescente morreu depois de passar vinte e dois dias jogando no computador, sem parar. Para os que nasceram depois da era das cadeiras na calçada, acho que fica mais difícil, mas também penso que os pais bem que poderiam ser mais pais e menos colegas.

Contudo alimento ainda uma leve esperança que depois que inventarem a última versão do iphone, iremos descobrir que a tecnologia mais moderna continua sendo o abraço. Ou, quem sabe, continuaremos lamentando e suspirando por um tempo em que havia mais estrelas...