PEDRAS NO CAMINHO?

Ao entrar na sala de aula, numa manhã quente de março, percebo Fernando lendo, lendo não, saboreando, devorando um livro de histórias. Talvez um outro aluno não me causasse tanto espanto, mas eu conhecia bem o Fernando, sabia de sua aversão pelos livros, já havia tentado de tudo e não percebera avanços significativos.

Após as saudações cotidianas, faço a chamada. Na realidade prolongo o momento para não interromper o novo leitor da sala. Quando chega o nome de Fernando um colega o cutuca, e ele responde sem levantar os olhos. Realmente ele está dentro da história, envolvido talvez com algum personagem no qual tivesse se identificado. De minha mesa não consigo perceber o título do livro, noto somente que não é um gibi, o que não seria negativo de qualquer forma.

Embora tenha um outro plano de aula previsto, começo a falar da importância da leitura para todos nós e o quanto podemos nos divertir com ela. Fernando alterna sua atenção, ora os olhos em mim, ora em seu novo companheiro. Pude captar certa concordância em seus olhos nos momentos em que ele acompanhava minha explanação.

Informo a todos que faremos um dia especial de leitura e que cada um poderá escolher um livro que o agrade. Há uma empolgação inicial. Embora essa proposta não seja rara em nosso cotidiano, ela é aceita com visível alegria. A movimentação aumenta no momento das escolhas dos títulos, tento auxiliar os alunos na seleção das obras, dando dicas dos enredos conhecidos e incentivando os que se mostram indecisos.

Noto que Fernando continua focado em sua leitura inicial, não se propôs a levantar para procurar outro livro, como a principio pensei. Pego também um livro, é essencial mostrar a eles que também sou um leitor. Nesse momento todos já estão imersos em suas histórias. Busco aproximação e me sento junto a um grupo de estudantes para ler com eles.

A aula, não gosto de chamar esses momentos de aula, flui de uma forma muito gostosa. Alguns me chamam para perguntar o significado de alguma palavra, quando isso acontece os ajudo a buscar o sentido no contexto, eles quase sempre encontram e, depois de algumas vezes, adquirem autonomia. Outros querem ler algum trecho que tenham achado interessante ou divertido, o que sempre acompanho atento. Ao final é gostoso quando rimos juntos de alguma parte da história. O Pedro, leitor assíduo de poesias, sempre pergunta se pode copiar alguma que tenha gostado. Sempre falo para ele a mesma coisa: “É claro, Pedro! Leva pra casa e copia depois, agora aproveita pra ler!”. Ele ri e continua sua aventura poética.

Quando já faltava pouco tempo para bater o sinal, Fernando chega bem perto de mim e me mostra o livro que tinha acabado de ler “A Cidade dos Carregadores de Pedra”. Demonstro estar muito feliz, e de fato estava, por ele estar lendo assim com tanta vontade. Ele me fala, sem eu solicitar, um pouquinho da história e no fim me dá um abraço, um abraço rápido, mas que ainda agora consigo senti-lo, e me diz: “Obrigado, professor!” e volta pra sua carteira. Naquele dia Fernando me ensinou o significado de ser um professor. Ser professor é acreditar!