SOBRE ARTE, LAMA E ALQUIMISTAS

Há alguns meses, tive a oportunidade de ver, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, uma exposição que me inquietou, porque me oportunizou um mergulho profundo e singular em meu ser. A mostra do fotógrafo Christian Cravo retratava as memórias humanas de uma das maiores catástrofes ambientais do país: o rompimento da barragem de Mariana. As fotografias retratavam objetos, roupas e calçados enlameados, retratos cobertos pelo barro e casas destroçadas, mas além disso, escancaravam uma tragédia, permitiam-nos que entrássemos naquele universo caótico, que sentíssemos, pelo menos um pouquinho, daquela perda, enfim, nos humanizavam.

Não fazia ideia que uma outra grande calamidade fosse acontecer tão perto de mim, atingindo pessoas que conheço, algumas por laço de sangue. É estranho como encaramos de forma diferente quando a tristeza está mais próxima, é uma ferida que demora mais a secar, a tristeza também tem suas nuances. Ainda assim, são tantas as histórias que nos mostram como Deus age, mesmo em meio a tragédias. Relatos de pessoas que conseguiram sair minutos antes da casa que desmoronou, a solidariedade sem limites de tanta gente, o empenho desmedido dos profissionais envolvidos, cada coisa encaro como a ponta de milagre.

O fato é que dia desses, estando em uma escola do município, pude ver um lindo mural a céu aberto, de uma beleza assombrosa, a beleza de quem tem algo mais a dizer, a beleza de um grito, talvez. Fiquei sabendo que havia sido feito por estudantes, alguns que estiveram envolvidos diretamente na tragédia, e que o professor foi buscar na lama do morro destruído a matéria prima para a confecção da obra. A lama se transformando em arte, a dor se transformando em poesia, o caos em recomeço, a catarse que só alguém munido de um arco-íris na alma pode antever.

A definição mais bonita que conheço de arte é do artista plástico brasileiro Vik Muniz, que diz que “arte é o momento mágico que uma coisa se transforma em outra”. Obrigado Christian Cravo, obrigado professor Thiago Reis, por proporcionarem momentos mágicos de espanto, por favorecerem essa transformação não só em materiais, mas em nossa essência. Obrigado por nos ajudarem a enxergar o belo, mesmo em meio a tanto sofrimento. Obrigado por nos fazerem sentir com todos nossos sentidos, mas, acima de tudo, obrigado por não deixarem apagar a esperança.