SEM TER NADA PRA DIZER

Num poema escrevi uns versos que eu dizia: “escrever, escrever, escrever sem ter nada pra dizer.

No contexto era uma forma de espantar hora vazia.

Pois agora nesses tempos de isolamento social me parece mais do que nunca necessário exercer a prática da escrita.

Pra fugir desses momentos angustiosos ocorreu refugiar-me no passado.

Voltei aos anos cinquenta quando o meu amigo Miguel Monteiro me convidou pra fazer parte da Tropa de Escoteiros Tabajara.

Entrei por espírito de aventura pois me achava muito importante envergar aquele fardamento como se eu fosse um herói militar. Lá conheci o Nicolau Kersting que tocava acordeom com um talento extraordinário. Como já gostava de cantar me aproximei dele e passei a fazer parte de um grupo de músicos que além dele era constituído pelo Seu Otacílio, pai do Nicolau, que tocava violão, o João Dias, que executava o mesmo instrumento e o Nelson Quadros que era poeta e cantor.

Tempos depois nos reuníamos sábados a tarde pra ensaiar no auditório do Grupo Escolar Emílio Meyer. Lá começaram a aparecer outros músicos. Chegou ao ponto de ter dois pianistas, dois acordeonistas e outros mais. Não éramos profissionais. Era um enorme prazer participarmos desses encontros.

Nosso primeiro convite foi pra tocarmos numa reunião dançante. O cachê foi alguns quilos de salsichão que a Dona Olga, sogra do Argus Montenegro, que apesar do adiantado da hora com sua extrema bondade e gentileza assou para nós.

Outra ocasião fomos convidados pra tocar num baile de estudantes no restaurante universitário que hoje é o Instituto de Identificação localizado na Av. João Pessoa aqui em Porto Alegre.

Sempre haviam alguns amigos que não eram músicos que aproveitavam para “furar.”Cada um carregava uma parte dos instrumentos pra poderem entrar sem pagar. Um deles era poeta e muito ousado. Quando havia um intervalo entre uma música e outra ele entrava na pista e assustando os casais, declamando um poema do Augusto dos Anjos dizia:

“- VERMES VENHAM ME COMER SIM!”

No final era aplaudido.

Depois dessa fase passamos há ser profissionais quando o Nicolau numa atitude surpreendente, considerando que era um guri de quinze anos de idade, abordou o gerente do Banco da Província do RS, hoje Santander, pedindo um empréstimo pra comprar os instrumentos. O gerente aceitou o pedido na condição que pagássemos tocando aos sábados nos bailes do Banco.

Assim nasceu o Conjunto Melódico Mocambo que tinha como modelo o Conjunto Melódico Norberto Baudauf que era famoso na época. A nossa formação instrumental era mesma e fazíamos muito sucesso porque perseguíamos a mesma qualidade do Baudauf chegando ao ponto de nos chamarem de “Baudaufinhos”. Uma noite num baile do Teresópolis Tenis Clube nos demos uma canja pro Baudauf. Aquele foi um momento glorioso e inesquecível. O apelido de Baudaufinhos rendeu uma reportagem publicada na Revista do Globo pelo jornalista Flávio Carneiro.

Sonhávamos gravar um long play. A oportunidade poderia ter acontecido quando fomos contratados pra tocar no Clube Nordestino. Na ocasião conhecemos um divulgador da fábrica de discos Mocambo. Ele prometeu agilizar pra que gravássemos naquela gravadora. Em sua homenagem colocamos o nome do conjunto de Mocambo.

O sonho não chegou há ser realizado porque soubemos pouco tempo depois que ele havia morrido mas a lembrança daqueles anos dourados permanece viva.

Gilberto Stone
Enviado por Gilberto Stone em 12/04/2020
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