Mais uma de Amor

Desconfio desse amor papagaiado e propagado aos quatro ventos como uma oferta de cerveja barata.

- Leve dois e pague um: aquele velho “eu te amo” comercializado na feirinha do bairro a troco de banana.

Banalizaram o sentimento. O “eu te amo” atual está para o homem moderno assim como o ovo de chocolate está para o simbolismo da Páscoa (e nem precisa ser cristão para entender a analogia).

Tornou-se trivial. São dizeres de “eu te amo” que brotam nos aplicativos, nas filas das lotéricas e nos metrôs lotados a torto e a direito. É trivial porque se tornou comum, porque é impulsivo, vaidoso e irresponsável.

Talvez me falte um sol em terra, mas compreendo o amor como aquele cheiro inebriante de café que aromatiza a casa inteira às 07h da manhã. O amor é a mensagem de bom dia. É o pensamento positivo. É a preocupação com a rotina, com os problemas, com o outro.

Esqueçam as produções Hollywoodianas. Cortem o cordão dos contos de fadas. Deletem a ideia megalomaníaca de um sentimento ostentador.

O amor é uma casinha no campo com duas redes e um pomar. É o sol que atravessa o quintal no cair da tarde. O amor sabe ser um, sabe ser dois, sabe ser a torcida do Flamengo em dia de clássico das multidões.

O amor é a foto compartilhada, o áudio cantado, o meme engraçado, o querer bem. O amor é substantivo abstrato, mas se configura em sorrisos, em sardas, em silhuetas e em gargalhadas. O amor é único. É coisa de pele. É o paradoxo da dor que desatina sem doer.

É nele que reside a benfeitoria, o prazer do abraço apertado, a saudade que rasga o peito.

Esse tal de “eu te amo” é apenas uma estrutura frasal, uma oração, o conceito remoto de uma representação verbal de afetividade.

Amar é verbo de ação que se deleita no além-mar. É vastidão.

O amor não se atém à covardia, não se vangloria no egocentrismo, não é desleixado, tampouco aceita a conveniência da moeda de troco.

O amor é aquilo que fica quando ninguém mais vê. É o sapato que te calça.

O amor dialoga com aquele comboio de corda que se chama coração. É a epifania de Clarice e o sentimento agregador de Vinícius. Dele, nem Nietzsche escapou.

Dizer que ama é dos males o menor e Bauman tinha razão.

Difícil mesmo é a ousadia de amar no invólucro das entrelinhas. Quisera eu... Quisera eu!

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 16/04/2020
Reeditado em 16/04/2020
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