Ele me batia

Eu tinha vinte três quando me apaixonei e fui morar com meu ex marido, aquele desgraçado. Ele tinha quarenta e quatro. Minha família me aconselhou, falou pra eu não ir, mas nem dei ouvidos, ele era tão carinhoso comigo, me dava presentes, me levava para o shopping, dizia que gostava muito de mim – como é que eu ia prever que ele iria se transformar daquele jeito, como da água para o vinho, Jesus!

Nessa idade a gente não tem muito juízo, não age com a razão e sim com o coração. Mal passados dois anos, depois que meu filho nasceu, foi que ele mostrou realmente quem ele era.

Eu não dizia para ninguém o que ele fazia comigo, eu tinha medo do que ele poderia fazer depois, ele sempre ameaçava. O maldito era doente de ciúmes. Não bebia, não fumava, não usava qualquer outro tipo de droga, seu único vício era eu, o maldito ciúme doentio que sentia por mim. Se não fosse pelo meu pai, eu nem sei onde aquilo ia parar.

Naquele dia meu pai chegou para nos visitar e viu o amaçado na geladeira. Perguntou o que foi aquilo. Eu disse para ele que não foi nada, que eu tinha batido com a mesa nela sem querer, quando estava tentando mudar ela de lugar. Meu pai não acreditou, o soco que João deu foi tão forte que ficou as marcas dos dedos dele nela.

Depois que meu pai viu aquela marca na geladeira ele entendeu tudo o que estava acontecendo comigo e disse: “a Karina vai embora comigo, agora mesmo”. O João disse: “Ela não vai, você não pode levar a minha mulher assim”. “Posso e vou. E só Deus sabe o que eu não faço com você, se você encostar mais um dedo na minha filha”.

Naquele mesmo dia meu pai me levou para casa dele e da minha mãe. Dias depois o João entrou com o pedido da guarda do Kauã. Eu venci o processo. O Juiz falou que ninguém ia tirar meu filho, não. Que só tiraria ele de mim se eu usasse drogas. “Deus me livre, seu Juiz, eu nunca usei droga, não. Eu sou da igreja desde criança. Meu pai é pastor”, eu disse para ele.

Alguns meses se passaram e minha mãe morreu. Eu entrei em depressão. Foi o meu amor pelo meu filho que me fez sair do fundo daquele buraco. O João já tinha parado de me perseguir nessa época, graças a Deus.

Meu pai resolveu voltar para sua terra, Minas Gerais, o que era sua vontade desde sempre. Ele deixou a casa para mim e meu irmãos. Eu e meus irmão decidimos dividir a casa em duas. Eu fiquei com a parte de trás, dos fundos. Estava trabalhando, então podia construir um banheiro pra mim e meu filho, e também a escada. O João não quer nem saber do Kauã, mas pelo menos ele deposita a pensão todo mês na conta da Caixa que eu abri.

Eu ainda quero me casar de novo, sabe. Casar e ter uma menina, que é o meu sonho. Sou nova ainda, só tenho trinta e dois. Mas acho que ainda não criei juízo, não. Uns tempos atrás eu conheci um moço e nem bem fazia dois meses que nós nos falávamos, eu já coloquei ele pra dentro de casa. Vê se pode uma coisa dessas! Nem preciso dizer no que é que deu, né. Um dia desses eu aprendo, se Deus quiser eu aprendo. Ah eu aprendo!

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 18/04/2020
Reeditado em 25/04/2020
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