O FIM DO VOYEURISMO

Era uma manhã como outra qualquer, tinha me levantado ao meio dia...

Minha barriga roncava e eu já começava a me imaginar na mesa almoçando. Mas antes fui até a janela olhar como estava o dia, e ao abrir a cortina me deparei com um grande caminhão de mudança parado na porta da minha casa. Eu pensava em me mudar, mas não agora! E se não era a gente, só poderia ser os vizinhos da frente...

Agora além da fome, carregava um atestado de óbito, o voyeurismo não tinha resistido e tinha chegado ao fim.

Fechei a cortina desolado e voltei para a cama...

Era estranho pensar nisso, mas sentiria falta da rotina deles...

Eu não sou um voyeur propriamente dito, já que essa prática é referente a sentir prazer (sexual) em observar alguém a distância... e quem me conhece sabe que não sou desse tipo, aliás se está bom, eu também quero participar, seria igual a ver uma festa através de um vidro. E não poder participar... Não vejo muita graça... Porém respeito quem curta essa pratica, já que é inofensiva, pois o observado é quase sempre o último a saber, ou a ter certeza...!

Mas acredito que voyeurismo vai além de prazeres sexuais, já que desde muito pequeno aprendi a observar, a analisar, e hoje isso é fundamental para o meu trabalho. Já que escrevo sobre gente, e para isso, analiso a todos e a mim próprio em qualquer lugar, e sinto muito prazer em fazer isso, e quando coloco no papel alguma personalidade, alguma mania, que observei na rua, ou na casa ao lado, meu coração dispara e não vejo a hora de alguém ler e ter a certeza que aquilo é real.

Quando era mais novo, observava para logo vir a imitar, lógico que era requisitado em festas, todos queriam rir com minhas macacadas.

Depois ganhei um binóculo, de noite ia para a janela do meu quarto, e lá do alto do meu prédio observava cada janela todas as noites devia ter meus dezessete anos, minha mãe odiava e dizia que era crime, mas eu adorava, era emocionante!

Havia janelas muito interessantes, por exemplo uma solteirona, que todas as noites recebia homens diferentes em seu apartamento, fechando a cortina sempre quando o assunto começava a esquentar...

Tinha também um casal gay, que nos finais de semana insistiam em andar nus pela casa...

Mas o mais intrigante era uma senhora, que todos os dias estava ao lado da janela, provavelmente assistindo televisão, podia olhar a qualquer hora, da manhã, da tarde ou até da madrugada, ela sempre estava lá, quieta, quase imóvel, com os olhos fixos na tv.

Eu me perguntava o que ela tinha, será que alguém tinha partido aquele coração num passado distante?! Ou ela teria sofrido um acidente? Ou simplesmente adorava televisão e tinha insônia? A resposta eu nunca iria saber... umas das maldiçoes de quem gosta de observar.

Os anos foram se passando, e comecei a jogar todo esse aprendizado na ficção, criando personagens e situações.

Há pouco menos de um ano, a casa da frente foi alugada por um casal de jovens, com um par de cadelas lindas, da raça samoieda.

Eles eram simpáticos, bonitos e educados, e logo nos entrosamos.

Um tempo depois ficamos incumbidos de cuidar das cadelas, que já tinham se apegado a nós e nós a elas.

E com isso, eu acaba sabendo a hora que eles chegavam e a hora que eles saiam, pelos uivos das samoiedas. Todo dia era a mesma coisa, sete horas da manhã (AUU)... seis horas da tarde (AUU)...

Todos ouviam... E mesmo não conhecendo seu gosto musical, seu nome completo, sabia mais coisas deles do que muita gente.

Como também, que uma noite em que sua mulher estava fora (sei disso pois ele mesmo me contou) as cadelas começaram a uivar, era meia noite, e por volta das três da manhã os uivos voltaram, só que na porta da minha casa, a cadelinha simplesmente tinha pulado o muro e tinha dado uma passada aqui em casa para dizer “olá!” Brinquei um pouco com ela, e logo fui levá-la de volta pra casa, de fato a casa estava vazia.

No dia seguinte, numa conversa com os dois eu sem querer falei:

- È... essa levada escapou ontem de noite!

Logo após dizer isso notei o grande erro, ela se virou para ele e perguntou desconfiada:

- Você não estava de noite em casa?!

Ele olhou pra mim, olhou pra ela e disse:

- Lógico que eu estava, amor.

Lógico que ele NÃO estava, mas só eu, ele e a cachorra sabíamos disso.

- De noite quanto Thiago? Ela perguntou.

- Seis horas da tarde – me pus a mentir... e lá estava eu, saindo da janela, e indo direto para a cerca.

E quando já estava me acostumando em ter novos vizinhos, teve uma noite que ao sair para balada, passei pela nossa rua, entre minha casa e a do vizinho(a) e senti que estava sendo observado, acredito que todos nós no fundo sentimos um olhar à espreita. Olhei de canto de olho e por trás da porta-balcão no escuro, alguém me olhava...

Talvez começava a descobrir um lado exibicionista, continuei a andar e tive a certeza que aqueles olhos me acompanharam até eu descer a rua.

Observar ou ser observado é inevitável, por mais que você seja discreto, use cortina ou fique num quarto escuro, sempre alguém estará de olho em você, seja com um olhar de admiração, de julgamento, ou apenas de análise.

Como alguém no passado disse:

"O maior espetáculo para o Homem ainda é o próprio Homem"

E eu concordo plenamente, adoramos saber o que se passa ao lado, o velado, o secreto...

As novelas diárias e várias provam o quanto curiosos nós somos, precisamos nos entreter com novas realidades, parece que uma vida apenas não é suficiente...

Mas o que me faz observar é aprender, acho que cada pessoa é um livro, que tem muito a acrescentar. E é assim que vejo cada pessoa que cruza meu caminho.

Agora eles tinham ido, levando as lindas samoiedas e situações muito engraçadas embora.

Talvez fosse a hora, talvez eu tivesse chegado ao fim daquele livro, de lá eu mais nada poderia aprender ou absorver...

Então que venham os próximos vizinhos, com seus mundos e universos.