OS GATOS E O PASSARINHO.

Mas que chateação... agora mesmo, tão cedo, tive que assistir uma luta de vida e de morte... um passarinho desavisado entrou aqui dentro de casa e veio, voadoramente, alojar-se no escritório...

Meus dois gatos, que parecem a minha sombra, estavam esparramados no aposento, ressonando, quando viram o intruso voando, baixinho, sobre as nossas cabeças.

Foi um auê... ou melhor... um miauê.... eu gritava, eles miavam e o passarinho acossado contra paredes e vidros, batia freneticamente as asas, sem sair do lugar. Até que descontrolou-se e veio ao chão. Exatamente ao lugar onde jamais poderia ter ido.

E começou uma brincadeira de gato e rato... o rato era o passarinho... o meu gato preto, sempre tão manso, tomou a dianteira... virou leão. Com a pata, ele procurava trazer para perto de si aquele ser(zinho) que se debatia indefeso. O outro gato, acompanhava bem de perto. Se a primeira fera falhasse em seus intuitos homicidas, ele seria a segunda fera. O negócio assassino, tinha uma certa ordem hierárquica, eu percebi. Do alto grau do meu desespero, saquei tudo. A dupla era altamente perigosa e estava imbuida das piores intenções possíveis.

Não fosse a minha gritaria e agilidade, o pequeno passarinho, ainda filhote, ainda indeciso, teria servido de sobremesa para os gatos. Sim, sobremesa, porque a refeição principal eles já tinham recebido.

Consegui salvar o que foi destinado à salvação. Nem sei como. Acho que o desespero me tomou e fez de mim uma leoa: a rainha da selva!

Em minhas mãos, o coraçãozinho assustado, batendo descontrolado, um passarinho. Tão frágil quanto eu. Tão assustado quanto o meu susto eterno. Tão perplexo quanto a minha perplexidade. Tão ansioso pela liberdade, quanto eu pela minha. Tão passarinheiro quanto "eu passarinho."

Esperei que se acalmasse e o devolvi para o azul do infinito. O infinito é sempre azul. Se olhamos da terra para o céu, o infinito é azul. Se olhamos da lua para a terra, o infinito da terra também é azul. Foi para esse azul eterno que eu devolvi o passarinho, depois do susto vermelho.

Felizmente, ele sabia voar.

Mas eu ainda não sei. Ainda estou presa a cães, gatos e seres humanos cuja lógica, às vezes, me lembra gatos comendo passarinhos pelo simples deleite de matar. Não pela fome, mas pelo instinto. Não pela necessidade, mas pela crueldade. "Decifra-me ou te devoro.

Eu, eu que amo tanto, olhei para os meus gatos sem censura, mas com muda decepção. Para onde fora a doçura do ronronado suave, quando se enroscam em minhas pernas? Para onde fora o olhar tão manso, e a imobilidade tranquila que faz deles os meus companheiros fiéis de toda manhã?

Por quê matar se tudo o que vive quer viver, e se tudo o que morre, na hora "h" não deseja morrer?

Eu que amo tanto, hoje não vou amar com tanta intensidade. Hoje vou amá-los com desilusão. Só preciso saber como é que se ama com desilusão, eu que só sei amar de um jeito.