Tradição estórica

Gente, tudo beleza por aí? Nesta semana, há alguns dias, no grupo da minha família, comentaram sobre alguns barulhos muito estranhos que estavam ocorrendo lá no céu de meu lugar. Disseram que eram estrondos diferentes de trovões e dos feitos por aeronaves, mas ainda assim as notícias que se espalhavam diziam ser caças - aviões militares- já que no município vizinho há uma base de treinamentos da Marinha do Brasil.

O Hierro, disse inclusive, que algumas pessoas estavam associando esses sons com o coronavírus, em uma possível mensagem apocalíptica: esse povo tem esse tipo de ideia mesmo. Esses ruídos no céu também ocorreram em alguns lugares de São Paulo/mundo - há mais tempo - e a física consegue explicá-los, pois são criados quando gases entram em contato com a pressão atmosférica. Mas o que me interessou mesmo na conversa, visto que já tinha lido sobre esses fenômenos e conhecia a causa, era em como as "teorias" se espalham rapidamente e muitos, ainda assim, acreditam nelas.

Hoje em dia estórias - ficções- que são espalhadas pela internet, recebem o nome de "fake news" - nome moderno para lorotas - mas esses recursos não são exclusivos desta época, haja vista que desde sempre estivemos em contato eles, mesmo que não soubéssemos - na época- que eram. Lembro-me de certa vez, creio que em meados da década de 90, quando houve um "surto" de meningite lá na região e as notícias, que eram veiculadas de boca em boca, versavam sobre doentes, mortes e de como prevenir-se.

Se nesta pandemia as máscaras e o álcool em gel são os produtos mais procurados, naquela época o que todos buscavam comprar era pedra de cânfora. Isso mesmo, pedra de cânfora. Eu era criança e não fazia ideia de como chegaram nessa solução, ou quem espalhou essa informação- nem se foi alguém informado que quis pregar uma peça na população - mas o que sei que todos usavam um cordão no pescoço com uma pedra dessa substância extraída de uma planta. Com as primeiras fakes vindas sobre a covid-19, como a de que se fizer gargarejo com vinagre ou água quente o vírus morre, recordei-me das fakes espalhadas em um período que não havia internet, pelo menos lá, já que internet chegara ao Brasil em 1988.

Gente, e olha que com mentira eu estou até acostumado, e das inimagináveis, tendo em vista que nasci em um lugar repleto de pescadores e, acredite, esses têm talento nessa arte. Era cada uma estória que só ouvindo mesmo. Além disso, quantos "fins do mundo" já vivemos, né? A geração anterior ao ano dois mil aguardou algumas datas com apreensão devido a algumas profecias de fim dos tempos, como as proferidas pela Mãe Diná e por Nostradamus.

A mentira faz parte da nossa história e ela é contada também nos mitos, como na mitologia nórdica com a figura de Loki e sua inteligência, e na mitologia grega cuja personificação é dada pelos "daemones", palavra que deu origem ao demônio da mitologia cristã. Curiosamente, nos mitos nórdicos e gregos, os deuses da mentira não eram relacionados com a maldade e perversidade: essa correlação passou a ser usada somente com o cristianismo.

O que acontece é que a realidade nua e crua torna a vida monótona, e a monotonia é destrutível - parafraseando Nietzsche- por isso o povo recorre a essa "arte" e por isso uma criança ativa em demasia é uma criança arteira. E como o velho ditado transmitido oralmente através do tempo - "quem conta um conto aumenta um ponto" - já deixa claro como sempre será, acostumemo-nos e nos preparemos com essa tradição - palavra latina que também originou "traição" - para não cairmos nas próximas fake news que certamente surgirão.

John Canere
Enviado por John Canere em 23/04/2020
Reeditado em 25/04/2020
Código do texto: T6926497
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