Acabei de configurar o Windows para o horário de verão. Embora o dia esteja com cara de outono ou de inverno, jamais de primavera. Depois fui para o msn... ninguém! E mesmo que houvesse alguém, não me veria,  estou em off.
 
Já faz algum tempo que vivo em off, sem nenhum peso no coração. Porque boa parte da minha vida estive em "on" e nada me aconteceu. Não aconteceu nada que alterasse a minha tristeza crônica, ou que aumentasse a minha anêmica alegria. Sempre percebi que a minha minguada alegria é uma alegria da manhã. Pela manhã, sou tomada por uma espécie de felicidade que me faz mortal. Sinto-me viva, e como tudo o que está vivo morre, a alegria da manhã me lembra que estou viva, mas em breve, estarei morta.  

Eu não sabia porque, mas o motivo da indagação sempre aparecia. Por que essa felicidade feita de instantes vazios? Por que esse êxtase de pequena satisfação a cada nascer do sol? E por que eu não conseguia reter comigo essa nesga de alegria, essa mesma nesga que se vê, quando o sol reaparece por entre as nuvens e se esconde de novo, e mesmo se escondendo ainda existe porque acabou de se revelar? Eu sabia que a alegria existia, porque a tinha todas as manhãs, mas à tarde e à noite, até a idéia de tê-la se perdia. Se eu fôra feliz, nem me lembrava mais.

Então, eu soube...

Tenho uma amiga que faz as minhas unhas e já falei dela aqui. Mas hoje quero falar da moça que modela as minhas sobrancelhas... ela se chama Célia... e do nada, dessas conversas que surgem só porque uma coisa vai puxando a outra, até virar uma linguiça comprida, ela disse: " a minha médica lá em Salto disse que eu e ela ( ela e a médica) somos  pessoas do dia porque sofremos de pressão baixa."
 
Disse só isso, e mais não explicou. Também não perguntei, porque sabia que ela não teria  a resposta.  Mas a pergunta, bastou: descobri o princípio da roda!

 Bastou-me saber que, em algum lugar, uma médica descobriu que a pressão baixa afeta o comportamento. Intimamente agradeci a informação. 

Então fui perguntar ao meu marido que é médico, (como a médica de Salto), mas não sofre de pressão baixa e é perfeitamente calibrado, fui perguntar a ele, calibrado como  só ele sabe ser, ativo como um militante, convicto da grande ventura de viver, fui perguntar a esse homem tão feliz, de que forma a pressão baixa poderia afetar os humores noturnos. 

Ele me respondeu, em parte. Disse-me assim: "Ana, nós somos uma química. Quando falta alguma coisa, no cérebro, o corpo todo sofre as consequências. A pressão sobe ou baixa, a depressão aparece, tudo é química, Ana, tudo é química..." Então tá. 

 Falou, mas não explicou. Intimamente, também, agradeci a informação. Já tinha algumas peças do quebra-cabeças.

Ainda sem saber tudo que  queria saber, fui pensar. E eu, para pensar, penso muito bem. Penso tanto que sou capaz de ficar um dia inteiro, só pensando. Penso com a minha mente e procuro também pensar com a mente de Deus. Às vezes, dá certo. Ouço dentro  de mim o que  a mente de Deus me fala. Isso é possível? Claro que é possível! Paulo disse em 1 Coríntios 2:16: "Mas nós temos a mente de Cristo." O único problema é que para ouvir a mente de Cristo, precisamos calar a nossa própria. Calar: os sons externos e os internos. Aí então Deus fala, se Ele quiser falar, entenda-se bem. Deus é tão soberano que só fala quando quer. Nós, não: nós temos que falar até quando não queremos.

Então eu, eu que  começava a saber  a resposta à questão que me fora apresentada, pensei que já tinha uma certeza:  Sofro de pressão baixa. Olha que coisa pobre: "sofro de..." . Mas de que outra maneira eu poderia relatar essa coisa que me faz sofrer a não ser dizendo: "sofro de...?"
 
Tá bom... vamos tentar melhorar essa frase suburbana, de fila do SUS.

Na linguagem médica, é hipotensão. Mais chic, né? E além de hipotensão contínua, permanente,  também tenho a outra que se chama hipotensão postural: quando levanto, subitamente, o mundo roda e fico literalmente sem chão. É só  um vôozinho rasante e logo estou de volta.  É uma delícia, mas passa. Outro sintoma da hipotensão são mãos e pés gelados. Tenho os pés, as mãos e às vezes, a alma gelada. É uma friagem  só.

Ainda pensando, fiz as contas: se me calibraram para viver a 8x4 ou, na melhor das hipóteses a 9x6, como eu poderia ter pique para viver a 13x8 durante 12 horas seguidas? 

Não dá... a 8x4 ou a 9x6 já faço muito, mas faço pela manhã.  Pela manhã, cuido de tudo o que precisa ser cuidado, ando tudo o que precisa ser andado, falo tudo o que precisa ser falado, compro tudo o que precisa ser comprado, trabalho tudo o que precisa ser trabalhado, sou mãe, dona de casa, empresária do lar, padeira, cozinheira, atleta, enfim, cuido de ser o que os outros precisam que eu seja . 

Mas a tarde, cuido de ser eu mesma: não faço quase nada. O "quase" já me é extremamente cansativo. A noite, então, sou ótima para ler, pensar e  escrever... e  bem mais tarde, dormir. 

Finalmente uma pista: a hipotensão causa um cansaço crônico que vai se acumulando durante o dia, até me fazer desabar a noite.  Uma desnecessária consequência: à noite todos os seres desabam mesmo. Alguns, com a consciência de um dia bem vivido, outros, com o consolo da manhã bem vivida. 

Finalmente, uma  alegria mansa me sobreveio pela tarde: a alegria de saber que, se não sou boa para as tardes,  e para as noites, pelo menos, o sou para as manhãs. Mas a culpa não é minha: é da pressão baixa. Isento-me então do meu próprio julgamento.

As férias deveriam ser feitas pelas manhãs, o expediente de trabalho pelas manhãs, o sol deveria brilhar só de manhã, ser avó, mãe e esposa, poderiam ser atribuições só das manhãs. E de tarde, a imobilidade da pedra. A pedra nem agradece, a pedra só existe. Existe para ela e para Deus. O travesseiro de Jacó foi de pedra. E ele sonhou e viu uma escada que unia a terra e o céu. Era Jesus! Mas essa é outra história.

Minha querida Célia, se a sua pressão baixa faz de você e da sua médica uma pessoa do dia, a minha, faz de mim uma pessoa da manhã. De manhã, os passarinhos cantam para a minha pressão baixa.  E me encantam.  A tarde, eles lamentam.  E enchem o meu saco. E a noite, a coruja pia.  E eu durmo...