Cravo e Canela

“Pra uma mulata até que ela é bonita.”

"Negra não, você é moreninha."

Nas terras do IBGE, quem "não tem cor" é pardo.

(...)

"Prende esse cabelo, menina. Não vai com ele solto, é feio!"

“Tem pente na tua casa não?”

“Tu tem piolho, né?”

“Cabelo de Bombril”.

(risos pelos corredores...)

No supermercado, uma única marca de creme para "cabelos cacheados”; e não servia.

A Barbie? Branca e magra. As Paquitas da Xuxa? Todas brancas também.

E as atrizes negras do PROJAC? Ah, lembrei! Estavam na cozinha fazendo o almoço da “sinhá”.

A arte imita a história.

“Ah, mulher! Mas tu não é tão preta assim! Na época da escravidão tu nem iria pra senzala, ficaria com a senhora de engenho por ser mais clarinha!”

Verdade!

E seria estuprada pelo homem branco na casa,

No campo,

Na senzala também.

Escrava. Negrinha.

13 de Maio de 1888, Alforria!

Obrigada, dona "Áurea".

Agora sim!

(...)

Outro século, anos 2000:

“Mainha, as meninas da escola estão alisando o cabelo... posso alisar também?”

Presente de aniversário. A chapinha veio junto.

Cabelo liso. Agora sim, fazia parte delas!

Mas... ainda não. Calça cintura baixa, manequim com o molde “europeu”.

A calça não passava nas coxas. Não tinha sido projetada pra mim...

“E você não pode usar essa calça, chama a atenção. Muito justa no seu corpo, eles vão olhar.”

Sim, eles olhavam e diziam:

“Se for pro exterior vai fazer sucesso com os gringos!”

Fetichizada nas curvas,

Na Bunda,

No Peito.

“Mulata da cor do pecado!”

É, viramos título de novela.

A cor do pecado que também é a cor do preconceito.

111 tiros. Não esqueceremos.

A cor é do “pecado”, mas o nariz é feio.

O rosto é de macaca.

A testa é grande.

O cabelo é ruim. É seco. É crespo. Ou é cacheado demais.

Tem “beiço” de Nega (que vira o “botox” das madames nos $alõe$ de beleza da Zona $ul).

Jogam bananas, jogam algemas. Não nos deixam em paz.

“Como assim? É morena e não sabe sambar?”

Sei, meu querido. Já sambo há quase 3 décadas.

E o meu gingado vem em forma de capoeira,

Em forma de luta pra elas.

Em forma de luta pra eles.

Em forma de luta pra nós.

Ainda gritam-me Negra,

Mas aos ouvidos, apenas recitam-me poesia.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 05/05/2020
Reeditado em 05/05/2020
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