Metamorfose

Sentado, no escuro, ele contempla a solidão do casulo.

O tempo passa sem que ele perceba, o barulho do relógio o deixa ansioso. Seja dia ou noite, ele se esforça em manter a mente ocupada, para se sentir realmente produtivo, mas nunca parece suficiente, mesmo que cozinhe, limpe, dance, cante e estude, no fim não fez nada.

A mente está tão condicionada a inventar novas formas de se distrair que não sossega, é uma perturbação constante no juízo do pobre coitado, não dorme direito, não come direito, nada funciona. Ele escuta Raul Seixas cantar sobre uma metamorfose ambulante, mas será que não é rápido demais? Muitas mudanças o deixavam ansioso.

Nos momentos em que tinha um intervalo, ou seja, sua mente se acalmava, ele costumava imaginar que era uma borboleta, voando por aí, se sentindo gigante, mesmo que tivesse consciência de seu tamanho minúsculo. Diante dessa reflexão e ouvindo a voz marcante de Raul, ele chegou à conclusão de que é uma lagarta, ainda no casulo.

Estima-se que a vida de uma borboleta dura cerca de um dia, as lagartas passam seu tempo de vida, se preparando para construir o casulo e depois se transformam em lindas borboletas, que morrem em um dia, esse pensamento o perturbava.

Ele era uma lagarta.

Buscando o almejado vôo, trabalhando todos os dias para obter uma felicidade da qual só se ouve falar por aí, não chegou a pensar no depois, quando finalmente alcançar o que deseja, o que virá depois? Será uma bela, no entanto efêmera, vida? Ser lagarta é difícil, se sente pequeno e solitário todo o tempo, embora esteja tecnicamente seguro.

Melhor viver uma vida cercada de escuridão com estabilidade, ou arriscar sair do casulo e se submeter às tentadoras incertezas do mundo exterior? O que fazer?

Ele respirou fundo, sentindo o cheiro de mofo do lugar e absorvendo o clima melancólico do instalado alí. Sentado, no escuro, ele contemplou a solidão do casulo, pensando se um dia teria coragem de deixá-lo.