A vida não é filme

Quando minha mãe gritava meu nome e seu grito ecoava nos fins daquelas tardes pelos quatro cantos do bairro, era por aquela viela que eu descia ou subia, zangadíssimo, direto para o banho. Sim, puto da vida, pois eu nunca queria deixar a rua, a não ser que fosse para o costumeiro Café-da-Tarde que engolia as pressas – na cabeça a imagem dos próximos lances que me esperavam – para retornar o mais depressa possível para o que estivera fazendo na rua a pouco.

A sensação de que eu sempre era chamado na melhor parte da brincadeira, me enfurecia. Houve vezes deu ir despejando pelo caminho as bolinhas de gude que acabara de ganhar, que rolavam por todos os cantos para quem quisesse pegá-las, de tanta raiva que sentia por ser obrigado a entrar. Claro, sempre me arrependia desse ato irreflexivo depois.

Ela, a viela, tinha uns duzentos metros de comprimento que cortava da rua debaixo até a rua de cima e vice-versa. Nossa casa ficava no meio, entre essas duas ruas. Naquele fatídico dia eu me encontrava na rua de cima, todo vestido de verde e amarelo, feliz da vida assistindo a um dos jogos da seleção brasileira na casa do Joel e do Herivelto, quando alguém veio me chamar dizendo que meu pai estava bêbado, destruindo toda a nossa casa, jogando nossos móveis viela abaixo.

Se as cenas da vida real pudessem ser descritas como em um filme, eu poderia dizer que eu cheguei em casa na exata cena em que o cabo de vassoura que ele, meu pai, tentava enforcar minha mãe em um canto de parede, quebrará, e que logo em seguida a vi descendo a viela correndo para se proteger na casa de uma vizinha, antes que “o impiedoso assassino a pegasse”.

Daquele dia em diante meu pai se mudou para casa do Tio Paulo. Vez ou outro ele aparecia com uma cartela de Danone debaixo do braço, tentando a todo custo nos reconquistar, o que não demorou muito para acontecer, afinal de contas, era Danone. Em menos de um mês o corno "manso" foi aceito de volta. Mas logo foi deixando a mansidão de lado e voltou a ser o que sempre fora; uma mistura de bondade e inocência, com ignorância e brutalidade.

to be continue...

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 06/05/2020
Reeditado em 14/05/2020
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