A ONÇA VEÁCA

A ONÇA VEÁCA (VELHACA)

Autor Moyses Laredo

Me levaram para uma caçada, depois de muita insistência, e, para não parecer mole, fui. Não sou de atirar em animais, nem consigo fazer mira, mas, os meus brios foram atiçados, dei com a mão na minha velha 22 (punhetinha) Carabina Rossi Gallery 037 Cal.22 que cabiam 15 balas de cano paralelo, engatilhava na empunhadura, imitava seu apelido acima, nem me preocupei em abastecer todo o magazine, sabia que não ia matar nada mesmo, acompanhei os amigos, levavam cerveja na “cuia grande” como diziam, mais parecia um festival, que propriamente uma caçada, o nome era mais fácil de ser aprovado pelas esposas. Rumamos ramal a dentro, no meu velho Jeep Willis ao desconhecido, para mim, que não conhecia o lugar, me acompanhava um velho amigo que inclusive cuidava da minha chácara, era mais amigo do que caseiro, de nome “seu” Hélio.

Ao chegar na tal espera, ele me instruiu - fique aqui! Vou lhe ajudar a subir nessa árvore que é grande e vai lhe proteger também da chuva, ainda perguntei, ...da chuva?... – “e vai chover por acaso seu Hélio?” – “Pode sim!”. Fiquei calado, segurei a 22 no colo e lá no alto, com meu chapéu tipo Indiana Jones, fiquei de tocaia à espera da caça, balançando as pernas, todo contente. O meu amigo tinha adaptado uma lanterna no cano da arma, presa com fita isolante preta, de modo que eu poderia focar e atirar ao mesmo tempo, (disque!)

Lá pelas tantas, ouvi uns amassados nas folhas à minha esquerda, mirei com o rifle/lanterna, alumiei uma corsa (fêmea do veado), coisa mais linda, toda assustada, não ia atirar mesmo, percorri seu corpo com o foco da lanterna para apreciar sua majestade, até deparar com um “mondrongo” na barriga, parecia que ela havia engolido um pedaço de pau, na hora me dei conta que a bichinha estava “prenha” (prenhe). Ah! uma máquina fotográfica ali, curti o tempo que pode, até que ouvi baixinho seu Hélio dizendo – “Atire nela, atire!, atire!”, fiquei com receio de alguns dos amigos vê-la também e disparei duas vezes, mas, a uns três metros acima da cabeça, a corsa disparou assustada em desabalada carreira mato a dentro, levando no peito tudo que achava à frente, acho que até hoje ainda corre, tomara que ninguém a tenha visto, me voltei para o seu Hélio, fazendo concha com as mãos na boca, e disse meio triste, - “Puta merda seu Hélio, errei feio!” Que pena!

E assim as horas da minha “empolgante” caçada decorria sem muitos atropelos, acho que a única caça que “entrou” para todos foi a dita corsa, ainda bem, não mataram nada, penso que as 50 latinhas de cervejas devem ter alterado suas miras.

A mata é ruidosa à noite, tem coisas que não se ouve na cidade sem se assustar, estava quietinho no meu galho, quando uma coruja, acho que era isso, resolveu levantar voo perto do meu ouvido, só ouvi o farfalhar das asas, que susto, me segurei para não cair. Depois foi a vez dos ratos-corós (é uma espécie de rato grande, herbívoro e frugívoro) faz muito ruído, fica fazendo o mesmo barulho do seu nome, (onomatopeia). Sem contar com o batalhão de mosquitos vampiros que se lambiam com o meu sangue, uns tinham que fazer do meu braço, pista de decolagem de tão cheios que estavam, depois de se abastecerem, corriam até ganhar velocidade e se lançavam felizes no espaço, não quero inventar, mais acho que riam, os filhas-da-puta, seus zumbidos eram diferentes, meio intercalado “zum...zum, zum,...zum”, sabiam eles que eu não iria fazer barulho matando-os no tapa, isso assustaria as caças.

Lá apelas tantas me descuidei e deixei cair o rifle. Agora eu vi...caráio! O que fazer! Pensei em chamar o seu Hélio, mas tinha que gritar, preferi me calar e deixar passar o tempo, mas, e se eles me encontrassem sem o rifle na mão? Eu seria muito gozado por todos e por muito tempo e em todas as reuniões, o pior é que contariam isso como piada até para os netos, “caçar de mãos vazias, querendo matar bicho na base das palmas”, já via as manchetes, pensando assim resolvi descer da árvore, para piorar, a porra da lanterna tinha ido junto com o rifle, o jeito era tatear com os pés, quando chegasse em baixo, outro problema era subir de novo, puta-que-pariu, que caçada filha-da-puta!!

Desci mesmo assim, como já estávamos próximo de ir, não me preocupei com esse último pensamento, chegando em baixo, não conseguia ver nada, a escuridão era um breu, e fiz do jeito que pensei, tateei com os pés, tipo varrendo o chão, topei com galhos de pau, raiz e cada um deles era uma topada mesmo, o dedão doía, até que senti ser o rifle, peguei liguei a lanterna, e foquei dando uma volta no lugar, mais para reconhecimento, passei por um monte enorme com manchas pintadas,...mas peraí, isso não estava lá antes, lá de cima, não vi nada parecido, voltei a visada com a lanterna e... CARÁIO!!! Era uma onça pintada, das grandes, deitada de frente pra mim com as patas dianteiras cruzadas, olhando fixo, orelhas caídas, sobrancelhas abaixadas sobre os olhos verdes, dava pra ver o rabinho balançando “prum” lado e pro outro, já tinha ouvido falar dessas onças, dizem que engolia um cachorro sem mastigar. Lembrei-me do rifle, mesmo vagabundo, pelo menos dava pra assustar a bicha e os meus companheiros de caçada se alertariam. Tentei engatilhar a 22 sem tirar o foco da onça, me arrependi de ter colocado só três balas, vi então uma coisa espantosa, que me deixou arrepiado, vixe! não gosto nem de lembrar, ela levantou apenas uma unha, a menor delas, e fez um sinal, abanando como um limpador de carro, entendi como, “não faça isso”, aí fudeu de vez, sozinho com a onça, sem poder atirar, nem correr, nem subir na árvore e nem sequer argumentar com ela, lascou de vez. Sem saída não quis deixar seu jantar fácil, se ia me comer que se desse ao trabalho de me pegar, essa onça preguiçosa precisava valorizar sua alimentação rica em carboidratos e adiposidade, assim, me danei a correr em volta da árvore onde estava a poucos, pensei em cansar a bicha, ela entendeu a brincadeira e partiu pra cima, ficamos dando voltas na árvore durante umas duas horas, a onça era enorme mesmo, a cabeça ia bem atrás de mim com a bocarra aberta e na frente, eu quase tocando seu rabo. Nessa agonia, nada de ninguém chegar, foi aí que me lembrei do canivetinho que tinha no bolso da calça, que servia também de cortador de unhas, mas fazer o que com essa porra?...mas era a única arma, tinha que ser lembrado de ter lutado com uma onça daquele tamanho com um canivetinho, isso era ótimo, meus netos iriam me chamar de herói, imagine quantas histórias seriam contadas a meu respeito, e as romarias no cemitério?, já lia até o epitáfio, “lutou brava e heroicamente com um canivetinho safado da Zona Franca, com uma perversa onça que lhe comeu as melhores partes”! De nada agora adiantava esses pensamentos heroicos, tinha mesmo é que me livrar da onça.

Foi nessa agonia que me ocorreu uma grande ideia, nunca tinha colocado em prática, mesmo naquele sufoco achei que seria a solução, dei uma olhada pra trás medi a cara da bicha com o indicador e o polegar, deu uma chave certinho, sempre correndo, risquei com o canivetinho, um talho de cima embaixo na cara dela, da testa perto dos olhos até as narinas da desgraçada faminta, em seguida, segurei no rabo, travei os dois pés na maior raiz da árvores que rodeávamos, já estava afundando o caminho, com o calcanhar firme da bota de boiadeiro, não quebrou o salto, mas fez travar a baita onçona. Fiz igual quando queria travar meu cavalo, puxava as rédeas para trás e pisava firme nos estribos, depois disso ouvi um esturro medonho, parecia urro de dois T-Rex lutando, do filme Parque dos Dinossauros, depois de tudo sobreveio o silêncio! O que houve? Ainda ofegante e assustado, percebi que a onça não mais me perseguia, ao mesmo tempo, vi que estava com o couro dela ainda molhado pingando, inteirinho nas mãos, foi aí que compreendi o que houve, a onça, na velocidade que vinha no meu encalço, quando travei o pé segurando seu rabo, saiu pelo rasgo que abri na sua testa e sumiu no mundo. Nenhum dos amigos caçadores acreditou na minha história, o seu Hélio, balançava a cabeça quase morto de vergonha alheia, ninguém aceitou as explicações, só não sabiam como eu tinha levado esse couro pra caçada, como é que ninguém tinha visto isso? Não adiantou nada, melhor seria ter deixado a onça me comer. Alguns meses depois um desses amigos viu a onça, humilde, sozinha, e me disse que os pelinhos do couro estavam crescendo, mais ainda não tinha as manchas (rosetas), mas ele falou meu nome ao telefone, para me avisar dela, a coitada ouviu, entrou em pânico e se danou aos esturros pela mata a dentro, traumatizei a coitada - péga sua sacana, é pra aprender a nunca mais tentar comer um “caba” macho como eu!!

Molar
Enviado por Molar em 11/05/2020
Código do texto: T6944139
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