CASAMENTO ARRANJADO NO "ALO"
CASAMENTO ARRANJADO NO ALÔ
Causos Amazônicos
Autor: Moyses Laredo
Soube da história de um casal que se conheceu depois que o rapaz ouviu um “alô” de um programa da rádio, no seu radinho de pilhas, pendurado num galho de goiabeira, enquanto trabalhava no seu roçado de milho, que anunciavam bem assim:
“Seu Arlindo no Seringal “Sumiço” na colocação Vai-Quem-Quer, no Rio Jandiatuba (afluente do Solimões), avisa que sua filha Deuzalinda de 28 anos está pronta pra casar, quem chegar primeiro e fizer o pedido leva”.
Ao ouvir a notícia, o rapaz endoidou, sabia que mulher pronta era mulher prendada, sabia costurar, lavar, passar, cozinhar, descascar macaxeira na unha, cuidar de menino, dar comida aos porcos, matar galinha no pescoção, pescar, caçar, subir em árvores, tirar tucumã, buriti, bacaba, rachar lenha, fazer fogo e isso era tudo que ele mais precisava, caiu do céu nessa hora e não era tão longe assim, pelos seus cálculos dava pelo menos uns três dias de canoa. Soltou a enxada no chão, deu com a mão no radinho de pilhas e largou em casa, cortou um pedaço de guariba salgada curtida, pendurada sobre o fogão à lenha para defumar, socou tudo numa sacola mais um saquinho de farinha do warini, juntou uma muda de camisa, mais uma lona velha furada, o remo, bateu a porta, podia demorar e lançou-se em sua montaria (canoa) chamada “Rosinha” (do romance Rosinha Minha Canoa de José Mauro de Vasconcelos, de 1962) porque era feita de casca de árvore sem emendas, leve e pequena, não aguentava muito peso, mais era lépida, partiu rumo rio abaixo. Já remando, fez as contas direitinho, se fosse do jeito que estava indo, ia levar mesmo uns três dias para chegar no seringal “Sumiço” e olhe, se atalhasse pelos furos ou varadouros, podia até encurta esse tempo, mas só por pura sorte, se a canarana, a aningá, o aguapé, o mururé e os matupés (capim e folhagem que nascem sobre as águas) não tivessem tapado as passagens.
Não se deteve por isso, passou a puxar o remo com mais força rio abaixo, ele era forte. Depois de algum tempo, bateu a porra da fome, lembrou que não tinha nem tomado café com beiju que sua mãe lhe mandara. Com uma das mãos abriu o saco de farinha, meteu na boca uma bela conchada sem cair um grão fora, mordeu um pedaço de guariba salgado, tomou um gole dágua com a mesma concha da mão, para compensar o sal mastigou com os dentes que lhe restava, e enfiou tudo goela abaixo, tudo sem parar a canoa, remando com o braço esquerdo e assim fez seguidamente alternando apenas a ordem, ora era a guariba primeiro, depois a farinha por último a água, fez assim até a farinha começar inchar no estômago e acalmar a fome. Para soltar um “barro” era outra ginástica, ele aprumava o traseiro bem na beirada da Rosinha ainda em movimento, quase entrando água, arriava a beira do calção... e l”ai-vai”, como gritava depois, o barro deslizava pela beirada da canoinha fazendo “tchubum” quando ganhava liberdade no rio, nessas horas apareciam uns peixes de couro e o “pau de guaraná” sumia rapidinho, mais ai, tinha se resolvido sem perder tempo! Foi parar para dormir já bem noitinha, encostou a casquinha, amarrou a proa num pau, puxou a lona por cima e entornou, lá mesmo ficou!
Nesse ritmo, até que adiantou um dia e meio de viagem, chegando ao porto do seu Arlindo, amarrou a montaria no primeiro pau que viu, subiu um barranco alto e liso, tabatinga da pura, estava apressado, escorregou algumas vezes tentando subir às pressas, usou até as duas mãos, tal era seu desespero, procurou o dono da casa assim que conseguiu subir, e foi logo dizendo, - “Chegou alguém na minha frente?” O pai dela ao vê-lo disse espantado:
- “Marrapá! você foi o primeiro que chegou”, e sem muito lero-lero, apontou pro rumo dos fundos da casa perto da mangueira que dava para a beirada do rio e disse: - “tali ela, vá se acunvesá, vá!”
Ariovaldo, se aproximou devagar pisando mansinho, ajeitando a gola da camisa que acabara de trocar, passando as mãos nos cabelos assanhados, pernas trêmulas (ficou um dia e meio sentado) ajeitou a calça, sem jeito pra mulher, se aproximou da Deuzalinda, muito gorda metida num vestido novo de chita, muito largo, sentada num tronco caído, e sem falar nada sentou-se próximo a ela, aliás, no mesmo pau que ela estava, ali ficaram um bom tempo em silêncio, só olhando o balseiro (paus e capins que descem na correnteza do rio) sem dizer nada, ela também quieta estava quieta ficou. Depois do longo tempo calados e temendo a chegada de outro concorrente, ele por fim quebrou o silêncio e disse apontando com o dedo:
- Tu tá vendo aquela imbaubeira mais alta lá no outro lado do rio? – “Tô sim”. Disse ela, - “Daquela imbaubeira até aquela castanheira sozinha acolá, eu rocei tudim ternantonte!”, completou ele todo orgulhoso. – “Foi mermu!”, - e aí ela para não perder, respondeu, ... “e tu quando chegou, subiu pelo barranco liso foi?”, - “Se foi!” – “E tu viu aquele paiol de bosta dessa altura, (marcando com a mão, no meio da canela), no pé da ingazeira ao lado do cercado dos porcos, viu?”, - “Vi sim, quase pisei nele”. Então ela abriu um largo sorriso no rosto redondo emoldurado pelos negros cabelos escorridos, mostrando uma pastinha que encobria as sobrancelhas, dizendo mais do que orgulhosa batendo nos peitos. – “Pois saiu do cú, dessa cabôca aqui!!!”
Depois dessa conversa idílica e esclarecedora eles passaram a se entender muito bem, a conversa foi longe, casaram tiveram cinco filhos e estão juntos até hoje, por sinal, eles estavam na festa bi anual para casamentos, tinham levado a filha mais velha encalhada, pra lá, a coitada puxou toda a mãe, até no tamanho. Quem me contou a história deles foi o senhor que se sentou ao meu lado, era um velho amigo do Saló (meu Pai) só tinha um defeito, é desses que quando fala cutuca a gente na costela!